Tuesday, June 27, 2006

O Século da Apoteose



O filme “Nós que aqui estamos por vós esperamos” traça um painel do século XX através de imagens, é um panorama visual e poético de um século de extremos, parafraseando Hobsbawn. O filme memória de Massagao utiliza imagens históricas, de outros filmes- como clássicos do cinema mundial- para conduzir o espectador através de um olhar único desse século. A vida comum, pessoas ordinárias - mesmo as histórias sendo fictícias, elas são reais- têm sua historia ali contada, e através dessa pessoas, também de grandes pensadores, cenas impressionantes levam de forma não linear os 100 anos provavelmente, mais controversos da historia humana.

O século vinte é marcado pela constante tentativa humana de dominar a natureza. Porém, esse fato não é inédito na historia humana, mas sim uma constante. No entanto, é no século passado que o homem consegue tanto controle que há um processo de desnaturalização das ações. A desumanização é evidenciada no filme pela guerra, afinal nunca se produziu tamanha barbaridade. É na guerra, nas trincheiras da primeira guerra, nas câmaras de gás, nos campo de concentração da 2ª Guerra Mundial que o processo de desumanização, conseqüência da eterna tentativa de controlar a natureza, que o homem encontra seu próprio fim. Um dos poucos momentos do filme em que a bela trilha sonora é o som real das cenas são nas cenas de guerra, nas quais o som é de tiros, bombas. É no século XX que matar passa a ser um ato de apertar um botão, de não ver mais o inimigo, é quando, no maior dos paradoxos, a guerra vira limpa. A vida permeada pela guerra, a vida de um soldado, é a trajetória de uma família na qual o bisavô lutou na 1ª Guerra Mundial. A condição humana é retratada nas trincheira da Grande Guerra, ora ouvindo o rádio no Vietnã, ora nas condições de vida subumanas na mina de ouro, ora as conseqüências do crash da bolsa de 1929. A cena da criança miserável à espera de um Deus que nunca chega.

A linha de montagem, brilhantemente representada pelo Chaplin em Tempos Modernos, também aprece no filme. É a “desintelectualizaçao” do trabalho. Não é mais preciso pensar, só ser rápido. As mulheres também entram na linha de montagem, fato que é mais evidente na parte do filme que as mulheres em empresas bélicas na época da primeira guerra. O homem máquina, a cultura de massa, tudo se torna bussiness, se torna rápido, fácil. O cinema tem grande crescimento, as cidades passam por amplas reformas. É uma revolução cultural.
Revolução cultural também ocorre na China de Mao anos depois. Apesar do nome, a revolução cultural foi uma das maiores monstruosidades de um ditador. Alunos matavam professores, a arte passava as ser fiscalizadas, a vida era monitorada para se adequar a padrões irreais exigidos “pela revolução. Apesar das atrocidades cometidas pelos destorcidos Mao, Pol Pot, Hitler, Stalin, Pinochet entre outros, a revolução é a marca desses 100 anos, a revolução sexual, a feminina ( “we can do it!”), woodstock, os hippies, são todos momentos inesquecíveis. Até para quem não os viveu.

O século XX também é caracterizado pelo brilhantismo de Ghandi, Lennon, Timothy Leary, Martin Luther King- esses estão na Lua conversando sobre assuntos terrestres numa sátira do diretor-, Nijinski, Josephine Baker, Garrincha e Fred Astaire, esses dois últimos mostrados num paralelo de dança com o samba como trilha sonora. É claro que um século tão controverso a arte não poderia faltar. Ela é representada pelo cinema em ascensão nos anos 1920. As cenas de filme utilizadas tanto como cenas da vida no século XX são uma forma de homenagear a sétima arte. É importante ressaltar o surgimento da cultura de massa, o rádio, a televisão. Pela dança de Fred Astaire, pelo balé de Garrincha, pelas obras de Duchamp, de Munch (com sua angústia tão representativa de um século marcado por duas grandes tragédias), por Hopper, por Leonílson e seu vazio, por Arthur Bispo do Rosário e sua loucura genial. O século que se foi, era sem dúvida, um dos mais criativos, dos mais inventivos.

O filme que tem em Freud como guia, pode ser sintetizado pela frase do seu próprio condutor “o homem já não é senhor da própria causa”. O filme de Marcelo Massagão produziu é uma obra visual, poética com a bela trilha de Wim Mertens brincou com as perspectivas de pessoas comuns num século grandiloqüente com uma musica que dá nexo a historia. A opção pela não linearidade do filme tem respaldo na turbulência do período retratado. O nome do filme, referência aos letreiros das portas dos cemitérios, é uma síntese da mortalidade do homem diante da eternidade da história.
Sugestão: escutar ou a trilha sonora do filme, ou Cavalgada das Valquírias de Wagner para ler o post.

Thursday, January 19, 2006

Benedetti e uma reflexão sobre as artes

Pede-se a um leitor de conhecimento razoável que liste nomes de autores em Língua Espanhola. Começará pelo básico: Miguel de Cervantes, Jorge Luís Borges, Pablo Neruda, Isabel Allende. Se for um pouco mais curioso, falará em Mario Vargas-Llosa, em Julio Cortázar, em Federico García Lorca. Bastante interessado em Literatura e no idioma, lembrará ainda Octavio Paz, Carlos Fuentes, Manuel Montalbán Vasquez, Gabriela Mistral, Manuel Rivas, Manuel Puig. Não importa que não os tenha lido todos, é suficiente o teste de inconsciente coletivo: a possibilidade de alguém citar (ou sequer conhecer) Mario Orlando Hamlet Hardy Brenno Benedetti é tão grande quanto a possibilidade de os britânicos passarem a repudiar William Shakespeare ou de os norte-americanos deixarem de lado sua quase inexplicável paixão por Fitzgerald.
É uma omissão e tanto. Partindo do tema comum aos escritores ibero-americanos, as ditaduras militares, Benedetti consegue fugir às histórias demasiado políticas, técnicas, no que me acostumei chamar "Literatura de Externas". "De externas" porque nunca se sabe o que passa de fato entre os personagens, visto que tão ocupados estão em organizar golpes, angariar poder, calar subversivos. Fala de tudo isso, é verdade, mas gosta de fazer interferirem em suas histórias mães, pais, esposas de corpos quentes, jornalistas responsáveis por horóscopos de periódicos locais. Gosta de dizer, em suas entrevistas, ter a certeza de que poema algum trará a revolução, e por isto se saber defensor de utopias. É a forma modesta que encontra para esquivar-se da beleza incontestável (e da força, por que não?) de sua poesia e de sua prosa.
O vício das muitas gerações do século XX, a política, acaba por criar desses fenômenos. Um homem pensa que nada faz pelo mundo até o momento de chegar ao poder ou pegar em armas ou formar uma sociedade alternativa (às vezes tão hipócrita quanto aquela original). Mas as artes são campos, sete campos - talvez oito, pois algum dia nos convencem de vez que futebol também é arte. São revoluções fechadas, e por isso possivelmente as mais verdadeiras. São íntimas. Até mesmo o dadaísmo é íntimo, como tudo para que falta uma descrição. A política, salvo as discussões que nela criamos, é simples, pode ser traçada em fatos. Em 1968, o General Costa e Silva decretou o AI-5. Em 1989, Fernando Collor de Mello foi eleito presidente do Brasil. Em 2005, o "mensalão" tornou-se sinônimo de mais uma decepção política brasileira. Se há alguma graça na política, é porque a transformamos em arte. Nos discursos, floreados, empostados, breves: o teatro. Nas campanhas ou nos manifestos: a música. Nas lutas de rua, na boca-de-urna: a dança. O presidente coloca a faixa, o povo se veste de negro, uma revolução no Irã: o cinema. A análise do discurso, a persuasão: literatura. Militares contra civis: escultura. Uma vitória de Napoleão: pintura. As artes são a expressão (positiva ou negativa) da emoção.
Afora isso, têm um significado histórico gigantesco. Os desenhos dos egípcios desnudam parte do mistério a respeito de vidas cotidianas datadas de mais de dois milênios. A Bíblia, dispensada a discussão sobre seu teor religioso, é um livro de grandes e de pequenas histórias contadas com palavras escolhidas a dedo. Um álbum de uma branca com voz de negra, Janis Joplin, é o suficiente para nos remeter a um tempo de luta por uma real democracia racial nos Estados Unidos. Por alguma razão, se a política dificilmente se altera, e se os termos permanecem os mesmos, são as artes as únicas a refletir de modo cru e claro os pensamentos de uma sociedade (rica, pobre, sexista, democrática ou racista). Assim, a alma latino-americana presente nos livros de Mario Benedetti pode não ser a borboleta a desencadear um terremoto em outro ponto do globo, mas cria pequenos tremores de prazer e de esperança em quem com ela tem contato.

Wednesday, December 07, 2005

Teologia da Libertação – a América Latina polemizando


Surgida das quatro Conferências Gerais realizadas pelo Episcopado da América Latina – no Rio de Janeiro em 1955, em Medellín em1968, em Puebla em 1979, e em Santo Domingo em 1992 – a Teologia da Libertação reconhece na conjuntura dos primeiros anos da década de 60 seu nascedouro, no contexto da cunhagem da terminologia "subdesenvolvimento".

Fruto de uma estreita associação entre as linguagens da teologia e da sociologia, sobretudo de orientação marxista, a Teologia da Libertação emerge na esteira das reformas proclamadas pelo Papa João XXIII em conjunto com o Concílio do Vaticano II (1962/1965), introdutor de uma série de medidas modernizantes na Igreja Católica. Valorizando movimentos leigos, propondo uma maior interação entre os indivíduos do clero e incentivando o seu envolvimento em questões sociais, acredita-se que a Igreja adotava, finalmente, uma orientação em torno da construção de uma base popular de apoio às articulações eclesiásticas, para alguns, a grande deficiência da Igreja Católica no Brasil. Apesar de tipicamente européia, a reforma foi obter grande repercussão no contexto sócio-cultural da América Latina da época.

Essa repercussão e a natureza da nova corrente teológica se expressam com clareza nas palavras de Clodovis Boff, um dos expoentes da Teologia da Libertação no Brasil: "A América do Norte, em especial os EUA e os países europeus, sempre impuseram aos latino-americanos seus valores, suas políticas, sua cultura, etc. Nesse sentido, a libertação no seio da América Latina é a luta pela liberdade de sua cultura, valores, economia e política frente às diversas opressões advindas de uma modelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em suas relações com o sul". Permeado de terminologias características, o trecho deixa claro o predomínio da ideologia marxista na análise social feita pela nascente corrente teológica. A justificativa para tal fica por conta dos dados de extrema desigualdade social que historicamente assolam a região, e que servem à alegação dos defensores da TL de que fazer uma teologia que ignorasse o sofrimento real dos povos latino-americanos significaria fazer uma "teologia de condomínio", fechada à realidade e restrita às minorias.

Diante de sua natureza intrinsecamente ambígua, a grande discussão travada acerca da nova corrente diz respeito à essência de seu conteúdo, que oscila entre a exaltação de uma fé fiel aos princípios da Igreja, orientada sobretudo pela exaltação do Deus bíblico defensor da justiça (social) e da fraternidade, e por isso não mais fonte de discursos etéreos (mas sim transformadores); e à crítica de uma suposta redução da fé ao discurso político, ligado ao perigo vermelho, bastante significativo na conjuntura de seu nascimento, a Guerra Fria. Pregando a libertação como valorização da paternidade de um Deus que não mais se encontra numa esfera trans-histórica, mas que se apresenta constante na práxis do povo que luta pelo fim de toda opressão e, portanto, pela dignidade humana, a Teologia da Libertação, permanece até os dias atuais marcada pelas veementes críticas a seu caráter anti-conservador, principalmente com relação à tradição da própria Igreja. Seus teólogos de destaque no país são Leonardo Boff (irmão do já citado Clodovis Boff), Carlos Meister e Frei Betto.

A despeito das críticas, a Teologia da Libertação, se encarada como um símbolo de manifestação sócio-religiosa-cultural própria da América Latina, indubitavelmente constitui um dos marcos da lenta e reticente ascensão do continente às esferas mundiais de atuação e discussão. Por fim, é preciso salientar o fato de que, em meio às diversas vozes simultaneamente ouvidas durante o conturbado século XX, América Latina se fez notar não somente nos âmbitos político ou econômico e não apenas por concordar ou prestar seu apoio, mas também por ser capaz de contestar.

Por Fernanda Pernasetti de F. Figueiredo

México Rebelde - John Reed

John Reed – México Rebelde

Começou a trabalhar como jornalista em uma revista comercial, mas rebelou-se contra o estilo de vida burguês que levava e, em 1913, uniu-se a um grupo de artistas e escritores socialistas que editavam a revista The Masses.O ano de 1913 ainda não tinha terminado e John Reed já embarcava para o México, como correspondente de guerra. Viveu durante vários meses com as tropas do rebelde Pancho Villa e, em 1914, a cobertura que fez da Revolução Mexicana saiu publicada em livro, com o título de México Rebelde.

Seu livro abordava a Revolução Mexicana sob o olhar dos camponeses e sua luta pela Reforma Agrária. Reed, com sua literatura jornalística abordava a revolução detalhadamente, a partir dos quatro cantos do México. Sua crítica se dava a partir do anonimato dos guerrilheiros camponeses, e sua demanda por terras, num grito desesperado por inclusão. Sua crítica também partia do Estado Mexicano, que necessitava de reformas tanto no campo político, quanto nos campos econômico, cultural e social.

Ao mesmo tempo que demonstra o espetáculo do povo insurgente, do povo empenhado nas jornadas para sua redenção, Reed não se esquece da miséria, do detalhe da humildade econômica da população em busca de liberdade. Em seu livro está o paradoxo das multidões esfarrapadas que estão inabaláveis na sua decisão de transformarem o mundo de miséria que vivem.

A união entre os camponeses do norte (sob a liderança de Pancho Villa) e do sul (sob a liderança de Zapata) para derrubar um governo ditatorial está bem refletida no livro. Grandes personalidades da Revolução Mexicana entre eles, Pancho Villa estão bem retratadas no livro de Reed.

Reed busca demonstrar a luz e a sombra da Revolução Mexicana (ou será de todas as revoluções) em seu livro. A glória, a justiça e a luta por liberdade por um lado ; a tirania, mesquinharia e degradação dos oportunistas e aproveitadores. Certamente, Reed não era um jornalista neutro.

Considerado quase que o iniciador do jornalismo moderno nos EUA, John Reed morreu jovem, aos 33 anos, em 1920, vítima de tifo. Foi enterrado no Kremlin, em Moscou, onde até hoje repousa como herói da Revolução Russa.

Outros livros sobre a Revolução Mexicana :
Zapata, de H. H. Dunn
Pancho Villa, de William Douglas Lansford
A Democracia no Mexico, de Pablo Gonzalez Casanova

Filme sobre a vida de John Reed :
Reds – Com Warren Beatty e Diane Keaton

Tuesday, December 06, 2005

Diário de Motocicleta

Diário de Motocicleta

O filme Diário de Motocicleta retrata a viagem feita na década de 90 por Ernesto Che Guevara e seu amigo Alberto Granado pela América Latina. O objetivo, a princípio, era percorrer cerca de 8000 km e explorar o continente que até então só conheciam através dos livros, questão que os deixavam intrigados pois tinham um amplo conhecimento da Grécia Antiga e da Europa, mas em compensação não tinham o mesmo pelo seu próprio continente, sendo esses um dos motivos que os fizeram partir para a explorar o território latino americano.

Os viajantes partiram da Argentina passando por diversos lugares e chegando ao destino final que seria a Venezuela. No decorrer da viagem são surpreendidos pela extraordinária geografia física e humana do continente, o qual havia muita pobreza, fazendo com que os dois mudassem de mentalidade ao longo da viagem, principalmente Che. Aos poucos eles começam a se sensibilizarem com a extensa pobreza e desigualdade existente no continente. Um dos principais fatores dessa mudança foi sentido quando chegaram na colônia da San Pablo no Peru (Amazônia peruana) onde havia um leprosário. Este leprosário era composto de uma verdadeira segregação entre os doentes, os quais se localizavam na zona sul da colônia, e os médicos e companhia que se encontravam ao norte da colônia, esta que era dividida pelo rio Amazonas, sendo que essa questão da segregação foi uma da que mais tocou Che.

Lá mesmo, na colônia, Che começa a aprofundar seus princípios revolucionários, sobretudo quando faz um discurso a respeito do desejo de uma América unida, sem divisões de nacionalidades, mas sim uma América constituída de uma única raça mestiça, que podemos ver uma certa influencia de Simon Bolívar que teve esse mesmo desejo no século XVIII a respeito do Pan-americanismo (bolivarismo). Notando assim o tanto que essa viagem influenciou os pensamentos e princípios de CHE.

Sendo uma viagem a princípio com o objetivo de aventura, e no fim acaba definindo o destino de um dos maiores lideres revolucionários do séc XX. Oito anos após a viagem Ernesto já se torna o tão reconhecido Che Guevara um dos lideres mais proeminentes e inspiradores da Revolução Cubana na qual lutou por seus princípios, muito deles adquiridos na viagem pela América Latina. Sendo assim uma viagem de autoconhecimento e transformação para Che.

A América Latina de Gabriel García Márquez


Essa era a minha vida em 1932, quando foi anunciado que as tropas do Peru, que vivia debaixo do regime militar do general Luis Miguel Sánchez Cerro, tinham tomado o desguarnecido povoado de Letícia, nas margens do rio Amazonas, no extremo sul da Colômbia. A notícia retumbou no país inteiro. O governo decretou a mobilização nacional e organizou uma coleta pública para recolher de casa em casa as jóias familiares de maior valor. O patriotismo exacerbado pelo ataque arteiro das tropas peruanas provocou uma resposta popular sem precedentes. Os arrecadadores não descansavam um segundo, recolhendo de casa em casa as doações voluntárias, sobretudo as alianças de casamento, tão estimadas pelo seu preço real e por seu valor simbólico.”
(Viver para Contar)

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos.”
(Cem anos de Solidão)



Fazendo o quase impossível, transformando o uso intenso de adjetivos em instrumento respeitado na Literatura, Gabriel García Márquez construiu uma obra extensa sobre uma América Latina que parece existir apenas em seus livros. Como sua avó, Tranqüilina Iguarán, ou como sua personagem mais célebre, Úrsula Iguarán, ele parece tatear no escuro e recriar, com os olhos que apenas a cegueira pode oferecer, um cenário mágico e colorido por trás de cada desalento. Celebrando-se esta profusão de perfumes e de impressões próprios da terra, cada pequena história tem seu lugar, cada personagem simples tem sua emoção. Uma prostituta é sempre mais do que uma vendedora de sexo, o alquimista está distante de ser um lunático, a lavadeira pode ter uma importância fundamental.

Neste sentido, a obra de García Márquez não apresenta quaisquer preconceitos. A cultura guajira é elevada a um caráter pleno, sendo o autor um orgulhoso costeño (leia-se: originário da costa caribenha da Colômbia e, por isto, normalmente mestiço de índio). Os homens (e as mulheres) estão para todos os gostos: messiânicos, incansáveis, castos, belos, excêntricos, animalescos. As guerras civis, entre liberais e conservadores, jamais têm resultados definitivos. Um liberal verdadeiro é conservador, um conservador verdadeiro é liberal; e, nesta ciranda, Gabito reparte seus homens entre ambos os partidos, à moda do que ocorria de fato em suas famílias paterna e materna.

É esta semelhança do que coloca em seus livros com a sua própria história justamente a característica capaz de tornar Gabriel García Márquez um escritor com cuja arte podemos nos identificar. A despeito de nossas origens, e da distância em que estejamos da sua Colômbia janela para o mundo, é possível enxergarmos um traço das nossas crenças ou das crenças dos nossos em cada José Arcadio Buendía, em cada Remedios, em cada Fermina Daza. Trata-se, como o próprio Gabo insiste em contar, da maior influência sobre ele realizada daquele que foi o autor de sua juventude pobre entre Baranquillas, Sucre e Bogotá: William Faulkner. É preciso falar sobre aquilo que está perto, pois apenas aquilo que é íntimo ou próximo traz autoridade para a transposição em palavras. Assim, mesmo que prevaleça a criatividade de García Márquez em criar um quê de fantástico para todas as personagens, as fontes de inspiração são sempre uma família e um grupo de amigos inacreditável, extraordinário (até mesmo o chefe de Estado e de governo cubano Fidel Castro), que talvez só fosse possível em meio à miscigenação latino-americana.

Nenhum livro de Gabito, portanto, apesar dos projetos de aparente simplicidade, confirma-se nesta crueza. Se em “O amor nos tempos do cólera” há o protagonismo de um amor dito impossível, coloca-se uma espera de cinqüenta e um anos, nove meses e quatro dias para, em seguida, relativizá-la, e torná-la tão banal quanto o correr de algumas horas. Há um homem comprando um espelho apenas porque nele se refletiu, por alguns segundos, a imagem da mulher amada (e inalcançável). Há uma resistência ímpar à renúncia, e há mais uma fêmea forte, aceitando um casamento de convenções com uma ternura quase apaixonada. Já em “Cem anos de solidão”, é preciso ver a evolução (ou involução) de cem anos em uma aldeia perdida no Caribe. Neste meio tempo, uma família quase amaldiçoada, em que se repetem os nomes a todo o tempo, sofre os efeitos de todas as transformações possíveis em um século numa área periférica. Há as companhias de bananas, há as estradas de ferro, há os americanos curtindo a vida, há os amantes extirpando a vida, há os milagres, há os peixinhos de ouro, há riqueza na pobreza – e pobreza na riqueza, complicando a descrição. A diversidade parece ser, então, em último aspecto, a síntese do trabalho que Gabriel García Márquez vem exercendo desde quando era garoto e escrevia apenas histórias em quadrinhos. Uma profusão legítima da terra, designada a terminar somente sob os poderes do vento – tal e qual uma profecia de Melquíades.


Fontes:
MÁRQUEZ, Gabriel García. "Cem anos de Solidão".
MÁRQUEZ, Gabriel García. "O amor nos tempos do cólera".
MÁRQUEZ, Gabriel García. "Viver para contar".

A imagem que ilustra este post é da cidade colombiana de Aracataca, cidade-natal de García Márquez, e foi retirada deste site.

Monday, December 05, 2005

As Eras do Século XX


O modo de produção
determinava a evolução,
as máquinas dominavam
A Era da Criação...
do automóvel e do avião
do rádio e da televisão
que promoviam a opressão
mas também a modernização

Freud desvendava os sonhos,
Einstein desvendava a fórmula,
mas Hobsbawm não se enganaria
na leitura da historiografia
com a aparente euforia e
extraiu das entrelinhas
a Era da Escuridão...
e das grandes destruições
nas guerras que eclodiram
aniquilando multidões.

A Era das grandes Imagens...
o glamour do cinema,
embalado pelo jazz distraiam
a mente da população sofrida
e ajudava na superaração
do terrível furacão
que promoveria ainda mais devastação
no breve século XX

A Era das Paranóias...
e dos conceitos esquizofrênicos
nazismos, totalitarismos e populismos
ditadura e democracia
tiranias do corpo e da alma.

O século foi destruído,
construído e reconstruído...
por muita gente importante,
mas também foi fruto
dos esforços dos insignificantes,
dos civis e dos soldados,
dos vândalos e dos visionários,
dos operários e bóias-frias
e dos incríveis artistas.

Foi a Era dos Extremos...
capitalismo e socialismo
dois pólos da balança de poder
que se armavam pra sobreviver
e seduzir a periferia
pra comprar sua ideologia
que viria a dominar
a famigerada Guerra Fria
E a vitória da ordem capitalista
pra desconcertar os realistas.

A era dos Contrastes...
Num mundo da primazia
racional e materialista
impera a crise da filosofia.
e promove o retorno da Igreja
desta vez, com mais sutileza
chegando com sensibilidade e compreensão
apregoando a Teologia da Libertação

A Era Deles...
A Era Delas...
A Era do Nós...

Esse foi só o ensaio
do que foi o último centenário.
O cemitério foi o ponto de partida
pra marcar a Era da Reflexão...
A morte é leve como uma pluma,
Mas a vida.
Oh a vida!!
Esta é pesada.
E traz consigo a responsabilidade
das suas escolhas...
das suas ambições e desejos
dos seus medos e pesadelos.

E o breve século XX
Já deixou a sua lição
Mas o que um dia contarão
daqueles que fizerem o século de então???

Bandido ou Herói? Ou os dois?


Seu nome verdadeiro era José Doroteo Arango Arámbula. Mais tarde ficou conhecido como Francisco Villa, mais especificamente como Pancho Villa. Sua participação na Revolução Mexicana foi essencial, uma vez que ele liderou um bom contingente de camponeses que tomaram parte na Revolução.

Pancho Villa nasceu em San Juan del Rio, na cidade de Durango, no ano de 1878. Antes de representar uma figura revolucionária, Pancho Villa trabalhou como camponês na fazenda de seu pai. Por motivos cujas razões são controversas, Villa desistiu de sua vida de camponês para se tornar-se um fora da lei em Durango e mais tarde mudou-se para Chihuahua, onde manteve a mesma reputação. Foi preso diversas vezes por crimes como bandidagem e por ter roubado cavalos, mas não permanecia muito tempo na prisão, pois tinha a vantagem de ter conhecidos influentes, como a poderosa família Terraza, que garantiam que ele fosse liberado. Ao ter contato com Abraham Gonçalvez, o então representante político de Francisco Madero, Villa passou a apresentar uma perspectiva diferente acerca da política e reconsiderou sua própria vida e a relação que mantinha com aqueles que se mantinham no poder. Desse momento em diante, Villa considerou-se um revolucionário que lutava em nome do povo.

Em 1910, participou da deposição do ditador Porfirio Diaz. Para tal, recebeu apoio dos EUA e lutou contra o exército de Diaz a favor de Francisco Madero. Em 1913, Madero foi assassinado e o Gal. Victoriano Huerta tomou o poder. Ao fazê-lo, condenou Pancho Villa à morte. Villa conseguiu fugir para a fronteira dos EUA, onde permaneceu até quando fosse seguro para voltar. Assim, em 1914 derrotou o exército de Huerta, tomando a cidade do México com Emiliano Zapata. Em 1915, durante o mais sangrento período da Revolução Mexicana, Villa lutou contra o regime de Venustiano Carranza e Alvaro Obregon. Dessa vez, ele foi derrotado porque seus dotes de cavalaria não foram suficientes para vencer as armas modernas de Obregon. Assim, ao derrotá-lo, Carranza tomou o poder.

O governo dos EUA reconheceu oficialmente o governo de Carranza. Por essa razão, em 09 de março de 1916, Villa liderou 1.500 mexicanos num ataque à cidade de Columbus, no Novo México. Eles realizaram o ataque à cavalaria norte-americana, roubaram 100 cavalos e mulas e queimaram a cidade, matando 17 pessoas. Isso foi suficiente provocação para o governo norte-americano, que enviou 1.200 tropas no dia 15 de março para caçar Villa no México. Essa ação militar, ordenada pelo Presidente Woodrow Wilson, que ficou conhecida como Expedição de Pancho Villa, foi a primeira ação militar norte-americana que contou inclusive com a Força Aérea. Ao mesmo tempo, Villa estava sendo procurado pelo exército de Carranza. A missão enviada pelos EUA foi um fracasso, devido ao fato de que Villa havia conseguido despistar temporariamente todos que estavam à sua procura.

No ano de 1920, Pancho Villa cessou seus feitos revolucionários, passando a dedicar-se à agricultura. Três anos depois foi assassinado em sua fazenda. Acredita-se que esse ato tenha sido uma conspiração de governo, que utilizou-se de meios extra-oficiais para se desfazer da “ameaça” que Villa representava. Independente da opinião acerca desse personagem controverso, seja ele um herói amado pelo povo mexicano, ou, por outro lado, odiado por muitos, a contribuição de Pancho Villa para a Revolução Mexicana foi extremamente crucial.


Por Marcia Pulcherio e Verônica Azzi

As Revoluções Mexicanas

A revolução Mexicana inaugura o que eu venho a chamar aqui de o século XX da América Latina. A mítica e o horror do século vinte, tanto na América Latina como no resto do mundo, reside na capacidade que ele teve, devido aos avanços tecnológicos, de tecer caminhos entre poços estanques e fazê-los tomar conhecimento uns dos outros e de si mesmos. A partir desse contato ou choque, foi-se possível reavaliar os conceitos de unidade existentes e perceber que fronteira é mais do que uma linha no mapa. Assim, a revolução Mexicana cumpre uma proposta tácita ousada: revelar as miríades no âmago da América Latina, expondo a distância entre o que se propõe do nacionalismo e a nação. Desta forma, toda a consolidação dos Estados latino-americanos que vinha se dando desde o séc. XIX entra em questão. Pela ótica do México, o século XIX designa o México e o século XX pergunta: Quem é o México?

O México verdadeiro. O jornalista norte-americano John Reed, designado para cobrir a marcha de Pancho Villa até Torreón, deve ter se visto frente a frente com o México verdadeiro quando percorrendo os confins do México se deparou com o camponês sem rosto – protagonista da revolução – que, estando no México, não faz parte dele. Muito longe da arena política, esses mexicanos delineiam a face mais contundente da revolução: os mexicanos de nome, mas não de direito, cuja maior pretensão de nacionalismo é possuir as terras, que um dia suas, tornaram-se instrumento de barganha para a centralização da máquina estatal. De forma bastante contraditória, o Estado mexicano se construiu à medida em que negou o direito de uma parte significativa dos seus “nacionais”. O protagonismo do campesinato fica evidente quando se entende a revolução como uma crítica à demarcação do que é o Estado Mexicano. Os camponeses são o exemplo da exclusão mais voraz do projeto de Estado; eles são mexicanos, apesar de não merecerem (exercerem) esse nome. Para esse México, a revolução – por isso quero dizer a pretensão de inclusão – é social, política, econômica e cultural.

O México das influências. O México que o mundo vê é o da urbanização, da industrialização e das camadas médias, é o México de Rivera e Frida. Como o resto do mundo, vivendo os anseios da consciência de classe: qual é o regime ideal? Anarquismo, liberalismo, socialismoS ou comunismo? Nesse México reside o outro pólo da revolução, o México que deseja participação política, constituir um Estado idôneo e progressista no melhor molde americanista. As influências estão também nas artes e na literatura e nos murais de Rivera. Representante da intelligentsia da camada média emergente, ele está interessado nessa mesma pergunta do texto: Quem é o México? Em suas próprias palavras: “Pela primeira vez na história da arte, a pintura mural mexicana transformou em herói da arte monumental a massa, ou seja, o homem do campo, das fábricas, das cidades, o povo.” A arte modernista de Rivera pode se caracterizar como uma tentativa de inclusão dos vários Méxicos em um único todo coerente.

As Revoluções. Então, havia na verdade duas revoluções em curso, de dois Méxicos absolutamente opostos almejando fins diferentes para si próprios. Nesse contexto, há uma polarização entre burguesia e camponeses, e para entendê-la, é necessário voltar-se para a História e analisar a cisão entre Zapata/Villa e Carranza. Os projetos camponês e burguês mostraram-se inconciliáveis: a pressão crescente das lideranças camponesas pela reforma agrária em oposição ao compromisso burguês com a propriedade. Nesse contexto, Carranza instrumentaliza uma aliança com o operariado e uma constituição liberal para desmobilizar os camponeses e garantir o Estado burguês. Assim, ele permitiu travestir o projeto burguês em um projeto de todo o povo mexicano. A partir desse momento, o Estado se torna a própria Revolução. Melhor dizendo, mata-se uma das revoluções. Já que não é possível unificar os vários Méxicos, é preciso conciliá-los.

Assim, inaugura-se uma vertente política que se manteve constante por todo o século XX da América Latina – o populismo. Num continente de contrastes e identidades concorrentes dentro de um mesmo território, para se manter o mínimo de estabilidade, é necessário ceder um pouco às classes alijadas para evitar a convulsão social. Por outro lado, a revolução Mexicana serviu para mostrar o potencial revolucionário da classe campesina. Ambos os modelos irão inspirar enormemente o desenrolar dessa expedição de encontro da América Latina com ela mesma que permeou todo o século XX. Em poucas palavras, radicalização, opressão, dependência e libertação.

A Casa dos Espíritos

“O país está mudando, infelizmente, as coisas já não são mais como antes. As pessoas têm idéias loucas, devemos proteger nossos valores. Se não defendermos nossa causa...”. (Frase dita a Esteban Trueba quando lhe propuseram a candidatura ao Senado pelo Partido Conservador).

“A Casa dos Espíritos” é um filme instigante que retrata a saga de uma família dos anos 20 até os 70, passando por diversos aspectos políticos importantes vividos no Chile e mostrando como estes acontecimentos repercutiram na vida desta família. Esteban Trueba, um homem ambicioso, trabalhava em uma mina garimpando ouro para que pudesse se casar com Rosa, até que consegue comprar uma fazenda e torná-la bastante produtiva, no entanto, Rosa morre de repente depois de sua irmã, Clara, ter previsto sua morte. A partir daí a história se desenvolve, passando pelo levante do movimento operário e culminando no golpe militar de 1973.
Anos depois da morte de rosa, Esteban casa-se com Clara e tem uma filha com ela, Blanca. Na infância Blanca brinca com Pedro, filho de um dos empregados de Esteban, o que leva o pai a mandá-la para o internato, com medo de que ela se ficasse igual aos nativos. Quando Blanca volta do internato torna-se amante de Pedro, então líder da rebelião dos empregados e futuro ativista político. O jovem é banido da fazenda pelo patrão por pregar rebelião.
Esteban teve ainda um filho ilegítimo com uma camponesa, um jovem estranho, que sempre reaparece misteriosamente para pedir dinheiro ao pai rico e que, mais tarde, cumprirá um papel importante na história.
Informado pela mulher de que Blanca estava grávida, Esteban, que tinha ambições políticas e não queria “manchar” o nome da família, a obriga a casar-se com um pretenso conde francês, Satigny. No entanto, Blanca não o aceita como marido e continua a viver seu romance com Pedro. Juntos, eles comemoram a vitória da Frente Popular contra o Partido Conservador e assistem à modificação do país. As mudanças que começavam a ocorrer no país incomodavam muito os conservadores, entre eles Esteban, que logo promete tomar providências.
Mais tarde, nas eleições de 1970, a esquerda se apresenta com Salvador Allende, através de uma frente chamada Unidade Popular. Allende triunfou apesar de não obter maioria absoluta. O governo da Unidade Popular tinha como meta principal: a transferência do poder, dos antigos grupos dominantes para os trabalhadores, o campesinato e os setores progressistas das camadas médias da cidade e do campo. Tentativas de impedir a posse de Allende geraram uma grande preocupação, pois a oposição era a favor de que o Congresso se pronunciasse entre os dois primeiros colocados. No entanto, a morte do comandante-chefe do exército fez com que essa tentativa fosse frustrada já que ficou claro que se tratava de um golpe. Desse modo, Allende tomou posse num clima de euforia e preocupação. Fracassada a segunda tentativa de golpe, em que a direita trataria de conseguir de dois terços do parlamento nas eleições parlamentares de março de 1973, a oposição muda de estratégia e parte para o golpe militar. Para piorar ainda mais a situação, o Congresso aprovou uma lei de controle de armas, que permitia a intervenção das FFAA, amparando-se nessa lei as FFAA foram tomando conta do território chileno mesmo antes do golpe militar. Quando as FFAA se preparavam para derrubar o governo de Allende, um grupo mais radical de oficiais lançou-se em um golpe militar precipitado, em junho de 73, cercando o palácio presidencial e exigindo a renúncia do presidente. Entretanto, este consegue neutralizar o golpe com a ajuda de um fiel ministro do exército, Carlos Prats. Assim, a próxima medida dos golpistas foi substituir o ministro do exército. Já sem interlocutores dentro das FFAA, Allende nomeia Pinochet para ministro. Paralelamente, Allende preparava uma manobra política que dividisse a oposição, a convocação de um plebiscito em que era esperado que o governo perderia e seu substituto legal o assumiria. Contudo, um erro de avaliação fez com que Allende consultasse Pinochet, antecipando o golpe. Cercado de novo o Palácio de la Moneda, foi dado um ultimato a Allende, mas ele recusou a proposta de renúncia. Assim, usando um capacete dos operários mineiros e um fuzil soviético AK presenteado por Fidel Castro, Allende se suicidou. Naquele dia 11 de Setembro de 1973, o Chile viria a presenciar o regime mais cruel até então estabelecido. Nesse sentido, Pedro e Blanca são perseguidos e ela é presa e torturada por ninguém menos que seu “meio-irmão”, o filho ilegítimo de Esteban com a camponesa. Esteban, transtornado, vê sua filha sendo presa e ela lhe faz um pedido, que ele tire Pedro(que estava escondido no porão da casa de Esteban) do país, pois ele está correndo perigo de vida. Relutante, por ter a vida toda condenado o romance dos dois, Esteban acaba por acatar o pedido da filha, em consideração à sua neta, Alba, e tira Pedro do país. Implantado todo o caos, Esteban se mostra amargamente arrependido por ter apoiado a interferência dos EUA e dos partidos opostos ao governo de Allende.
Por fim, Esteban, com a ajuda de uma antiga prostituta com quem mantinha relações, Transito, consegue fazer com que sua filha volte para casa. Ao que tudo indica, no final, Pedro, Blanca e Alba terminam juntos.

Teerã by Luz Celeste e Alá

(O post que você lerá a seguir se trata de uma conversa extra-oficial entre Marjane Satrapi e Deus. Marjane e Deus eram grandes amigos quando ela era uma menininha, mas nada foi igual desde que ele falhou em garantir que a pequena Marji reencontrasse seu amigo Kaveh. Ainda bem que sempre é tempo de mudar as coisas!)

Marjane – Eu sei que você está aí. Eu queria conversar...


Deus – Conversar?! Eu estou sempre aqui, mas já faz muito tempo que você não fala comigo. Estragou os nossos planos de transformá-la na última profeta!

Marjane – É... Muita coisa aconteceu desde então... Acho que cresci e achei que escrever histórias em quadrinhos era mais divertido.

Deus – Humpf, Maomé gostava muito de ser profeta! Você não sabe o que está perdendo.

Marjane – Não é sobre essa história de profeta que eu queria falar. É sobre o que aconteceu em Teerã no dia 4 de novembro de 1979. Lembra?

Deus – E como poderia esquecer? Nunca tive tantos requerimentos de diplomatas me pedindo que os levasse de volta para suas famílias! E você brigou comigo por causa do seu amigo Kaveh... Os seus conterrâneos estavam mesmo enlouquecidos na luta contra o imperialismo norte americano...

Marjane – Eu fiquei muito chateada quando descobri que, sem a Embaixada, não poderia tirar um visto de turismo pra visitar o Kaveh nos Estados Unidos, acho que descontei a frustração em você...

Deus – Eu tive muito trabalho para atender os pedidos dos diplomatas americanos. Os estudantes fundamentalistas estavam irredutíveis! E o aiatolá Khomeini não ajudou muito conclamando o povo a se livrar do “ninho de serpentes” que se escondia em Teerã.

Marjane – Eles estavam mesmo fora de controle... Lembro-me das manifestações a favor da invasão da Embaixada. Alguns dias depois houve tentativas de fazer o mesmo no Paquistão e na Arábia Saudita.

Deus – Os fundamentalistas estavam irredutíveis! Queriam o Xá Reza Pahlevi de qualquer jeito e, mesmo depois de sua morte, ainda insistiam nesse cabo-de-guerra sem sentido...

Marjane – No final eles aceitaram devolver as pessoas em troca do descongelamento dos bens iranianos nos EUA.

Deus – Dessa toca sai mais coelho, mas é melhor deixar por isso mesmo. Os bens estavam congelados desde o início e realmente foram devolvidos, mas as relações diplomáticas estão rompidas desde então.

Marjane – Assisti na televisão a comemoração dos 26 anos da tomada da Embaixada. O tempo passa rápido, mas idéias custam a passar. O Aiatolá Ali Khamenei fez até discurso!

Deus – 26 anos? Já?! Parece que foi ontem que eu estava conversando com você sentado na beira da cama. Para os reféns o tempo não passa tão rápido assim. Foram 444 dias desde que a Embaixada dos Estados Unidos foi tomada no Irã até o dia da libertação dos prisioneiros.

Marjane – 444 dias... Parece que você não gostava muito dos reféns (risada).

Deus – Não brinque com uma coisa dessas, Marji! Você sabe o que é ter que coordenar tudo ao mesmo tempo? Os americanos entraram com um processo na Corte Internacional de Justiça pra tentar resolver pelas vias convencionais. Eu esperei pra ver no que dava... Deu em uma operação secreta de resgate que falhou redondamente. E acabou que, ao invés de ir pros Estados Unidos, você foi pra Viena. Uma boa troca, não acha? Só estou curioso pra saber o que fez você me chamar... Esse momento tipo “recordar é viver” me parece esquisito...

Marjane – (risada) Realmente. Mas quando vi as imagens das comemorações em Teerã achei que o Irã não havia mudado nada desde que eu o deixei. E, ouvindo os discursos políticos onde seu nome é sempre citado, lembrei de quando eu queria ser profeta ...

Deus – Marji! Eu te disse que VOCÊ É a minha última profeta! A Luz Celestial! Você bem que tentou fugir, mas consegui dar um jeito de passar a mensagem adiante.

Marjane - ??? Está falando de meus livros? Mas eles são minha biografia, são sobre o Irã e tudo o mais, mas em algumas páginas eu até sou bastante ácida em relação à religião! Jeito estranho de ser profeta esse que você inventou pra mim...

Deus – (risada) Você mesma acabou de dizer que acha que nada mudou desde que foi embora, desde que a Embaixada foi tomada, desde que os reféns foram libertos. Mas hoje muita gente sabe um pouco mais sobre o Irã por causa dos seus livros! Talvez até mesmo os iranianos tenham uma perspectiva mais ou menos diferente. E alguns conseguiram até aprender um pouco mais sobre mim!

Marjane – Sobre como você gosta de conversar? (risada)

Deus – Não, sobre como eu me pareço com Marx, dããã!! Francamente Marji! Mas e aí? Estamos mesmo de bem? Ou você vai esperar mais 26 anos pra conversarmos de novo?

Marjane – (risadas) Estamos de bem. Mas você ainda me deve uma visita ao Kaveh! A gente se vê por aí!

Deus – Valeu Marji! E pode dormir tranqüila, um dia as coisas mudam, mas essa já é outra história.

Sunday, December 04, 2005

Brilho eterno de um livro de lembranças



“Nossa memória é frágil. Uma vida é
um tempo muito breve. Tudo acontece tão rápido que não dá tempo de entender a
relação entre os acontecimentos.”

Baseado na obra homônima de Isabel Allende, o filme “A Casa dos Espíritos” olha para o Chile como que através de uma vitrine iluminada. Em meio à profusão de cores, cheiros e elementos fantásticos, a tomada de poder dos militares serve de fundo à verdadeira trama de superação e amadurecimento dos personagens. Carregada de mistério e dotada de poderes sobrenaturais, a protagonista é Clara. Um nome bem escolhido para quem representa o ideal de equidade, justiça, democracia e respeito às diferenças. Clara não é comunista, mas também não é liberal. Não vive numa dimensão utópica, e nem poderia, pois é a própria utopia encarnada. Ela vive na fronteira entre os mundos, num lugar onde a lógica e a física nem sempre fazem sentido, porque ele é regido por suas próprias leis.

É Clara quem tenta transmitir a mensagem de mudança para Esteban: seu marido, liberal, conservador, aristocrático e anticomunista até o último fio de cabelo. Unida por um laço de amor ela tem em Esteban uma âncora que a liga à Terra e se contrapõe ao elemento mágico que sempre a rodeou. Da insólita união nasce a pequena Branca. Luz da vida do casal, ela cresce sob a influência envolvente da mãe e os pulsos de ferro do pai que a venera.

Quando seu amado tesouro se envolve com o colono e revolucionário Pedro, Esteban atira todo seu veneno burguês e mesquinho no rosto da única que sempre o amou e entendeu apesar de todos os defeitos: a esposa. Por todos esses anos ela tentou alertá-lo para a inevitabilidade das mudanças, se dedicando aos pobres e tratando a todos com gentileza, mas ele não estava pronto para a verdade. Ferida, Clara decide se calar. Talvez motivada por orgulho, diriam alguns, ou por medo paralisante diriam outros, mas tenho para mim que Esteban nunca a havia escutado realmente. O silêncio da utopia apenas torna mais óbvia a distância que separava o casal. Há amor, mas Esteban está completamente cego para o mundo dos espíritos no qual Clara vive imersa.

O romance juvenil que serve de estopim para o rompimento tem também uma conseqüência radiante: Alba. Em sua certidão de nascimento a promessa de um novo dia que vem. Alva, alvorecer, amanhecer, aurora. O prenúncio de um novo tempo que precisará enfrentar diversas dores até estar pronta. Alba cresce sem o pai, porque este estava ocupado demais fugindo dos atentados do Partido Liberal de seu avô e espalhando os ideais socialistas pelo Chile. Mas aprende com a mãe e com a avó o significado da esperança, da luta e da espera paciente.

Em 1973 a utopia morre. Os militares estavam a caminho e isso era mais do que Clara poderia suportar. Deixa seus diários aos cuidados da netinha para que sirvam de guia a sua filha querida e parte para junto dos espíritos que tanto a ajudaram. Allende é deposto. Pedro é perseguido pelo regime ditatorial que é instaurado e o nome de Branca é encontrado. Não há nada que Esteban possa fazer, a verdade finalmente se revela nua, sem os trapos direitistas que ele tanto venerava. Sua filha adorada é levada pelos milicos para um martírio sem fim. Mas, mesmo na mais completa agonia, ainda se mantém fiel ao amor da sua vida. Ela é filha da luz e, mesmo quando vendada, mantém a cabeça erguida em direção a seus algozes. Em algum lugar fora dos muros da prisão existe uma pequena aurora a sua espera que não pode raiar sozinha e, ao seu lado, a utopia que crê num futuro de esperança.

Clara, Branca, Alba. Um caminho de iluminação e crescimento. Arautos reluzentes num Chile que em breve mergulharia na escuridão com cheiro de sangue. Isabel Allende equilibra sonho e política, amor e ódio, sublimação e dor, liberalismo e comunismo, campo e cidade, luz e escuridão. Contraposições súbitas e incompreensíveis em sua velocidade.Talvez por isso a autora tenha escrito o livro, para, assim como Clara fez com suas descendentes, deixar um registro fixo no tempo para permitir a análise dos acontecimentos em sua verdadeira dimensão.

Saturday, December 03, 2005

Santo Homem

“A desgraça do nosso tempo é a degradação do ser humano às vezes planejado por ideologias e sistemas políticos ou econômicos. Precisamos resistir e reconstruir o valor sagrado do homem”


Nasce em 1920, em Wadowice (região da Cracóvia) na Polônia, um bebê simples, que perderia sua mãe ainda menino e seria criado apenas por seu amado pai. Esse menino sonhava com o teatro, queria ser ator. Sempre pegava os melhores papéis nas peças da escola. Entretanto, por vias tortuosas, a vida o levaria a outro destino não planejado.

Karol Wojtila estava engajado na faculdade e em suas aspirações à vida artística, quando estranhos movimentos nazistas têm início na Polônia. Hitler ascendia na Alemanha; o idolatrado salvador dos alemães com suas ideologias que se estenderiam àquela região. Com as idéias da superioridade da raça ariana e espaço vital, levaria muito mal a quem estivesse em seu caminho, e a Polônia estava. Simplesmente por isso, a terra começou a ser bombardeada e as pessoas se apressavam em fugir para salvar suas vidas. Karol tentou sair de Wadowice com seu pai, sem sucesso. Viu muita gente explodindo na sua frente e o mundo se tornou algo difícil de compreender. Isso era só o começo do que estava por vir. As universidades foram fechadas, as reuniões proibidas e conseqüentemente, o teatro passou a ser apenas um sonho que teve que deixar para trás. Mas Karol estava entre os jovens que pensavam que era mais importante lutar para salvar a cultura do povo polonês do que pegar em armas. Para os alemães, poloneses eram apenas porcos sem cultura, sem história, sem valor algum.

Judeus tiveram que viver como ratos, escondidos em buracos. Muitos deles, amigos de Karol. Perdeu quase todos, seu pai também adoeceu e morreu. A essa altura, ele havia conseguido documentos para trabalhar em uma pedreira. Muitas perguntas eram comuns àquela gente. Por que será que não havia protesto no resto do mundo? Que espécie de seres humanos mataria outros por prazer? O que levaria homens, com corações batendo no peito, a torturar, humilhar e exterminar um povo? Em meio a esse caos, Karol se viu sozinho, mas não se rendeu ao ódio e a desilusão. Encontrou pessoas, leu livros, refletiu. Na filosofia, teria aprendido com Descartes que o homem está entre Deus e o vazio, ele optou por se aproximar do primeiro, sentiu-se chamado e aceitou a vida religiosa como missão. Os padres estavam sendo perseguidos na época e seu seminário teve que acontecer clandestinamente.

Tornou-se padre. Passava 8 horas de trem para manter-se em sua missão em Cracóvia e dar aulas de filosofia na Universidade de Lublin. Confortava pessoas, e sempre ajudava a quem pudesse; animava e encantava jovens com suas palavras sábias, seu jeito atlético e sua mente aberta. Deu-lhes respostas, ensinou-lhes o valor da honestidade e da coragem, que não viriam da força física, mas da força do espírito, do amor.

Foi perseguido então, não por nazistas, mas por espiões comunistas. Mal a Polônia se livrou do nazismo, começou a sofrer as conseqüências da censura e da repressão comunista da Rússia Stalinista. Os jornais foram todos destruídos e eram levados não se sabia para onde aqueles que falassem mal do socialismo. A influência da igreja incomodava e Wojtila era suspeito pelo seu carisma. Não conseguiram achar culpa alguma nele, que só estava comprometido com o bem e seria contra qualquer atitude violenta, revolucionária. Tornou-se bispo e em 1978, é nomeado Papa João Paulo II. O restante de sua história é bem conhecida. Nos 26 anos e 5 meses em que foi Papa, viajou o mundo inteiro espalhando mensagens de paz, amor e solidariedade, revolucionou a igreja católica, acabou com o que restava de conservadorismo desnecessário. Defendeu que a igreja católica deveria caminhar com a humanidade, deveria servir ao homem e não o contrário. Sabia que o mundo precisava de respostas e apoiou reformas que faria da igreja, uma fonte simples, acessível e inesgotável de respostas.

Sofreu no fim de sua vida, mas como Jesus, não abandonou sua cruz e morreu como Papa. Hoje, está quase se tornando santo, mas sua história, como a de muitos outros homens, é a história de um jovem cujos sonhos foram levados pela guerra. Mas onde aqueles viram a escuridão, ele viu a luz e onde aqueles viram a destruição, ele viu a salvação.