Friday, September 02, 2005

o Front já basta. Não precisa de mais novidades

Certamente há quem diga que o livro de Remarque é um saco. Eu achei isso. Foi então que percebi que o personagem no qual me focava como sendo principal, Paul, era coadjuvante. O personagem do livro é a guerra.

A forma como ele mostra a guerra é um tanto desoladora também, não só pelo aspecto da violência ou do costume com a crueldade, pois é o que se espera de um livro que trate desse assunto. A novidade estava no fato de esse Paul não mudar o rumo da guerra. São sutilezas como o “personagem principal” (e não alguém perto dele) entrar em pânico ficando sem ação, as poucas vezes que entra em combate ( se comparadas ao número de vezes que teve de se esconder), o conflito interno após assassinar uma pessoa à sangue – frio e até mesmo o cansaço criam a mensagem de que essa é a natureza do ser – humano e não há como ser diferente.

Não tem como não tornar relevantes os diálogos entre o grupo de amigos e a crueza com que tratavam a verdade. Falam da perspectivas de continuar a vida quando acabar o embate, da necessidade de estudos quando na verdade a guerra tira do homem a percepção de coisas mais sérias. Não há vida após aquilo, não há sociedade que os entenda, como quando Paul vai à sua cidade natal e é tratado como herói, não reconhecendo em si esse caráter, irrita – o ver como a sociedade se dispõe a abdicar até de comida pela guerra e manter a crença de que os alemães estavam certos. Quem lutava sabia que lá não havia ninguém certo ou errado. A diferença se resumia ao lado da trincheira que se lutava.

Só que não era só de amigos que o exército era feito. Havia que se respeitar as ordens que fossem proferidas, tivessem ou não finalidade. O abuso de poder também perseguia aqueles soldados. O comandante do destacamento, Himmelstoss, e seu sadismo eram a personificação dessa verdade. Sua necessidade por humilhar e subjugar só faziam prejudicar o espírito de unidade da tropa e servia como comprovação de que o soldado muitas vezes não tinha paz nem na caserna.

Enfim, o livro foi inovador ao desacreditar o romantismo da guerra, responsável pelo alistamento não só daqueles amigos de colégio, mas de milhares de outros jovens de todos os lados da Europa que viam a perspectiva de se tornarem heróis nacionais tão atraente, sem saber que era apenas fruto de propaganda. Armadilha na qual o próprio autor caira.

A importância desse livro é expressa pela perseguição feita contra ele e o autor pelos nazistas. O impacto subversivo que ele poderia ter preocupava quem ia fazer o segundo ato da peça. A visão quanto ao início de uma nova guerra era de que nada de novo poderia aparecer no front. Era exatamente esse o erro.

3 Comments:

Blogger Anna Carol said...

Ainda não passei da metade do livro, mas é indiscutível que a guerra é o personagem principal. Os relatos sempre ficam mais chocantes quando mostrados do ponto de vista individual. O livro me lembrou muito de um documentário que vi com judeus contando como era a vida nos campos de concentração na Segunda Guerra; como após alguns dias eles passavam a se acostumar com aquela idéia de conviver tão perto da morte.
O mais louco dessa história toda é que a gente olha isso como uma situação tão distante da nossa realidade, mas não mais nos chocamos com tiroteios e chacinas. Seria a violência urbana a nossa guerra?

12:50 PM  
Blogger Debs said...

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4:20 PM  
Blogger Debs said...

Apesar de que ter pedido pra escrever esse post e o Gustavo ter tomado o meu lugar eu não guardo nenhum rancor. :P Tanto que não poderia deixar de fazer um breve comentário sobre esse que é um dos meus livros favoritos.

Remarque não se limita a abordar um lado da história. Ele fala da guerra, dos homens, de sua interação e do resultado brutal que surge dessa mistura explosiva. Não são só os mortos que são destruídos, mas os vivos asistem seus espíritos sendo destroçados dia-a-dia.

Paul foge, foge muitas vezes, mas a fuga apenas exterioriza a morte de seus ideais. Se houvesse um bom motivo para tanto sofrimento, talvez ele ficasse e o enfrentasse. Mas a guerra perdera seu sentido, não havia mais nada que pudesse levá-lo a correr cegamente rumo às metralhadoras! Talvez o dever, mas seus superiores o tratam como lixo! Que dever é esse para com homens que não respeitam seus direitos mais básicos?!

Paul é só um jovem que se vê perdido em meio a esse jogo louco que chamamos de guerra, onde as peças são dotadas de alma e sangue e precisam se manter vivas se quiserem ganhar a partida. Ele é jovem, tem medo, tem raiva e tem um desejo de sobreviver que nem toda propraganda bélica e nacionalista conseguiria apagar.

Não faz muito tempo ele estava na escola com seus companheiros e agora não conseguia sequer contemplar "os castanheiros marrons e dourados" sem se sentir deslocado. Os países, os lugares, as pessoas, os ideais... Tudo mudou nesse intervalo de 4 anos, mas principalmente, usando as palavras do autor, fora ele mesmo quem mudara nesse intervalo.

"...teria sido mesmo diferente. Com certeza, fui eu quem mudou neste intervalo.”

PS: Gustavo, seu post ficou ótimo, eu nunca tinha olhado pro livro considerando a guerra como principal personagem. Acho que me foco demais nas relações interpessoais, foco no local e às vezes me distraio do todo... Sempre considerei o Paul como personagem principal, mas mesmo assim a narrativa me parecia fascinante. Obrigada por apresentar uma outra e igualmente interessante perspectiva.

4:30 PM  

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