Saturday, September 24, 2005

Iludindo a quem ?

O filme "a grande ilusão" de Jean Renoir foi visto e interpretado das mais diferentes formas desde sua primeira exibição. De pacifista a anti-semita o filme foi manipulado, cortado e introduzido na plataforma de correntes politicas opostas.

Além dessas diferentes leituras que foram atribuídas a posteriore, o roteiro nos leva a reflexão sobre um fator peculiar da primeira guerrra mundial com relação as demais guerras do século que se seguiria . Os títulos de nobreza tiveram durante o desenvolvimento da mesma, enorme peso. Eram os nobres os responsáveis pela aviação e entre eles existia um certo sentimento de identidade e respeito mútuo que ia além das fronteiras nacionais. Na primeira cena do filme fica bem representado o tratamento cavalheiro entre oficiais de exércitos opostos.

Contudo, as diversas tentativas de fuga dos franceses presos mostra o sentimento de dever patriótico ancorado no nacionalismo que foi um dos motores da guerra. Na única tentativa bem sucedida de fuga morre de forma heróica o protagonista do filme, Boëldieu , o mais nobre de todos os oficiais franceses presos. Após um longo caminho, os dois sobreviventes da fuga encontram abrigo e até mais na casa da alemã Elsa que se entrega a um soldado francês, demonstrando simpatia entre os povos.

Essa idéia de internacionalismo, especificamente, foi aclamada pela esquerda por demonstrar que a guerra não tinha razão de ser já que as nações eram amigas, mas que a verdadeira luta deveria se dar entre as classes. como mostrado pelo companheirismo entre o nobre oficial alemão Rauffenstein e seu seu semelhante francês Boëldieu. Exemplo dessa exaltação esquerdista em torno do filme foi a resposta de Hitler, que o proibiu.

Entretanto, após uma reavaliação, Goebbels (chefe de propaganda de Hitler) percebeu que se editado da forma correta, o filme seria um importante instrumento de propaganda nacionalista e nazista. Para tal, ele cortou todas as cenas em que o judeu Rosenthal era simpático e generoso, bem como, as que uma alemã é receptiva aos soldados franceses.

Mostrando idéias tão contraditórias em partes distintas, o filme agradou e causou repúdio a todas as pessoas politizadas que viveram na época e em gerações seguintes, representando de fato uma grande ilusão a qualquer corrente política que buscasse nele o retrato de sua identidade. À primeira vista um filme inocente, pode se transformar com o cuidado de uma análise mais profunda.

2 Comments:

Blogger Manoela said...

Pedro,

Não assisti ao filme "A Grande Ilusão" (posso ouvir João Daniel reprovando esta afirmação na minha cabeça), mas gostei da sua abordagem. De forma geral, tocamos no mesmo ponto em nossos posts: até que ponto o cinema pode ser usado como instrumento de influência.

Pareceu-me particularmente curioso o fato de termos comentado manipulações extremas: a de Eisenstein, à esquerda; a de Goebbels, fatiando o filme de Renoir, à direita. Ainda que a primeira se pretenda mais sutil, não consigo deixar escapar a impressão de que os extremos políticos têm erros muito semelhantes...

5:11 PM  
Blogger Maurício Santoro said...

Car@s,

sou um grande admirador da obra de Renoir, e da "Grande Ilusão" em particular. Não me parece que a oposição seja esquerda/direita - todos os partidos socialistas da Europa Ocidental apoiaram a deflagração da I Guerra Mundial - e sim entre pacifismo e as ideologias que levam à guerra.

A questão que o filme coloca, a meu ver, é a relação entre classe social e nacionalismo. A camponesa alemã que abriga os franceses pobres; o oficial prussiano que parece cer numa "noblesse oblige" acima da guerra e o nobre francês que se sacrifica em prol da pátria.

Abraços
Maurício

5:16 PM  

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