Friday, September 30, 2005

Nós devemos vigiar mais os nossos filhos!

Não se preocupe, você não está no blog errado e este não é mais um daqueles textos de auto-ajuda para pais de primeira viagem. É apenas um conselho muito útil para quem acaso deseje se aventurar na cidade do sombrio Vampiro. Afinal a Alemanha de 1931 não é o melhor lugar para deixar seu filho passear sozinho. Um assobio sinistro pode enredá-lo nas tramas maléficas do cruel assassino de crianças! Oh! Que triste sina assombra a doce cidade de Dusseldorf!

O filme do diretor austríaco Fritz Lang conta a história de uma cidade aterrorizada por uma sombra escura. Um kindermörder (assassino de crianças), cujo rosto ninguém conhece, está matando os jovens filhos de Dusseldorf sem que a polícia consiga fazer nada para detê-lo. A situação é crítica, qualquer estranho que ouse aproximar-se de uma criança é olhado com suspeita e, um mais desafortunado, pode mesmo chegar a ser linchado em plena luz do dia pela mera suposição de seu envolvimento nos crimes.

O trabalho minucioso dos investigadores não alcança resultado algum. Batidas são feitas diariamente pelas vielas do submundo, os camburões já não comportam mais nenhum meliante. Apesar de tanto empenho, o assassino ainda está à solta e escarnece do esforço policial em sua nota sombria: “Ainda não acabei”. Enquanto o povo se agita nas ruas e o alto comando exige providências, a polícia segue rastros imprecisos: fichas de hospitais psiquiátricos, vestígios de doces em lixeiras e grafite vermelha usada para escrever o bilhete.

Nesse triste quadro, são as tristes figuras que assumem os papéis de destaque. Incomodados pelas constantes visitas dos representantes da lei, os bandidos reúnem-se no Sindicato dos Trapaceiros. É preciso eliminar o assassino antes que seus negócios vão à falência! Uma parceria com o Sindicato dos Mendigos cobre a cidade com uma rede insólita de espiões maltrapilhos. Eles estão em todos os lugares e não levantam suspeitas. Onde houver uma criança, lá estará também um par vigilante de olhos mendicantes a espreitar em busca do menor sinal do Mörder. Apesar de tantos olhos atentos, são os ouvidos de um velho cego que apontam o culpado. Ele não esqueceu a melodia que pairava no ar da última vez em que vendeu um balão à pequena Elsie, a última vítima do Vampiro. Sua colaboração coloca o submundo no encalço do criminoso. Para identificá-lo, um M é gravado em giz em sua capa. O M “garranchado” em branco reluz em seu sobretudo negro.

Acuado, Becker (é esse o nome dele) é finalmente cercado e preso. O sindicato mostrou-se mais eficiente do que a força policial. Na República de Weimar pode-se esperar de tudo, mas o mais provável é que o inesperado aconteça. Reunidos em assembléia os trapaceiros esperam o prisioneiro para o julgamento. Ele tem direito a um advogado, mas sua sentença já está definida desde antes de sua captura. A morte será seu castigo. Um último apelo ainda é feito por aquele designado a ser seu defensor: “- O Estado é que deve tomar medidas que o tornem inofensivo para que ele deixe de ser um perigo para a sociedade!”. Mas a resposta é uma sonora gargalhada. O Estado! Nessa Alemanha ele é o último elemento a ser considerado.

Aposto que você está pensando que acabou. Já consegue até ver a multidão enlouquecida pendurando o vilão numa forca, mas lamento destruir seus devaneios. A polícia chega ao local guiada por um delator. "Em nome da lei você está preso!" É a última fala que se escuta enquanto um policial segura o assassino e o livra da morte certa. Agora seus devaneios sobre forcas e linchamentos devem ter sido substituídos por um profundo questionamento. Talvez até um cínico pensamento: E eu com isso!? Tomo a liberdade de encerrar então da mesma maneira que o diretor: "E nós... Nós devemos vigiar mais os nossos filhos!" Entenda como quiser.

1 Comments:

Blogger Manoela said...

Não sei por quê, mas a seqüência de cenas que você atribuiu ao filme me lembrou um bocado "O processo", de Kakfa. A escolha de "bodes expiatórios" para crimes que nem mesmo são conhecidos por completo é uma marca do livro do autor tcheco e percebi, pelo menos com seu texto, a mesma inquietação que me acometeu quando o li.

Pareceu-me igualmente marcante a ironia de Fritzlang de filmar um Sindicato dos Ladrões tentando impor uma moral. Talvez esteja tocando na tecla óbvia, mas me parece uma referência à elite alemã, mais imoral do que qualquer outro estrato em suas aspirações e, no entanto, sentindo-se capaz de vigiar a sociedade e o campo político.

Paralelamente, estando óbvia a representação do Estado frágil de Weimar, pergunto se o assassino não seria justamente o comunismo, que insistia em converter uma boa parte da juventude germânica na quase clandestinidade e pelas beiradas.

Deixando de lado minha (irritante) preocupação em descobrir o que há por trás das metáforas, gostaria de parabenizar a Deborah pelo post. Já admirava o estilo de escrita dela nos tempos de "Rei Leopoldo II", mas fico impressionada como ela consegue, a cada novo texto, ainda me surpreender.

1:04 AM  

Post a Comment

<< Home