Saturday, October 01, 2005

A ascensão de um império


A trajetória de uma grande organização criminosa e de uns dos maiores impérios do mundo é contada na trilogia de “O Poderoso Chefão”. O filme que começa no casamento de sua filha Connie mostra a extensão do poder do chefe da máfia. Segundo a tradição siciliana o pai da noiva não pode recusar nada do dia do casamento por isso Don Corleone é assediado por várias pessoas, pedindo que o padrinho interceda por elas. Essa relação de apadrinhamento é típica da máfia, graças as suas influencias Don Corleone consegue empregos, realiza os sonhos, é uma verdadeira porta da esperança. A presença dessa relação familiar de apadrinhamento tão atípica na sociedade norte americana mostra como os imigrantes italianos preservam suas tradições e caracteriza uma não integração dos italianos com a América. Essa integração é bem evidenciada por Michael Corleone que quando jovem se comporta muito mais como um americano, renegando os assuntos da “família”. Somente quando seu pai quase morre num atentado é que ele entra nos negócios familiares o que ocorre definitivamente com a morte de Sonny.

Com a subida de Michael mostrada no fim do primeiro filme e continuada nos posteriores a máfia cresce e se consolida. No dia da primeira comunhão do seu filho, o mesmo cenário de romaria por pedidos, favores que ocorreu com o casamento de sua irmã se repete. Michael faz negócios com os políticos, demonstrando uma corrupção do poder legislativo e até do judiciário. Quando o senador americano diz que não gosta dos mafiosos, mas somente faz negócios com os “italianos” demonstra uma mentalidade de exclusão dos nortes americanos. Apesar de Michael ser americano ele não é percebido como tal. A sua ida, voluntária, para a Segunda Guerra Mundial lutar como soldado pelos EUA e sua tentativa de legalização dos negócios mostra uma constate tentativa de ser afirmar como um cidadão norte americano. A própria máfia pode ser concebida por essa discriminação do estrangeiro nos EUA. A cultura americana é segregacionista, a não incorporação dos imigrantes, a guetificaçao deles é constante. Os italianos, assim como os outros estrangeiros, diante dessa rejeição encontram na máfia, uma forma de se integrar, ou pelos menos, criar uma sociedade à parte, que os protegesse. A máfia é de certa forma uma grande família e um maneira de preserva-la .

O surgimento da organização de Vito Corleone é retratada no segundo filme o qual narra a sua trajetória. A sua vinda para a América é mostrada juntamente com a de vários imigrantes italianos em busca do sonho americano, construído no início do século. Sua ida para os EUA é na verdade uma fuga da Itália onde perde toda a família, chegando até presenciar a morte de sua mãe, pela máfia. Já na América constrói seus negócios mafiosos quase que por acaso, criando um império que teria como sucessor seu filho Sonny. O início da relação de Vito Corleone com a máfia ocorre quando ele esconde um pacote com armas por acaso e sua casa e por causa disso, acaba participando de um assalto o qual vai iludido acreditando que estava indo pegar um presente em retribuição. E dessa forma, Vito começa a fazer assaltos, os bons resultados começam a se espalhar até que Don Fanucci exige parte do espólio dos assaltos, Vito revoltado mata o chefe da máfia. Mais uma vez, ele que mata Dom Fanucci pelo ódio que tem com a exploração feita pelo mafiosos aos imigrantes italianos, e assim vira o novo chefe da organização. Seus negócios, mascarados como uma importadora de azeite, vão crescendo marcando um paralelo com a história de crescimento e progresso norte americana e Don vito vai ser tornando popular devido aos seus favores. Com a lei seca, a máfia passou a agir no contrabando de bebidas. Com Michael no poder da “família” os cassinos viram o alvo dos negócios.

No último filme da trilogia, Michael consegue enfim legalizar seus negócios. Ele passa a fazer transações comerciais com o Vaticano atuando num dos maiores conglomerados mundiais. O filme começa com a generosa doação que Michael faz a igreja e por isso recebe uma homenagem. Com isso, ele consegue acabar com seu estigma e ser visto como um americano, como a concretização do sonho americano, um self made man por vias tortas, mas ainda sim um vencedor americano. Porém, ao se deparar com as negociatas escusas num mundo coorporativo ele se desilude. Com as disputas de poder entre as diversas máfias Michael acaba tendo que se voltar aos seus antigos métodos com a ajuda de seu sobrinho para resolver toda a questão. Mesmo conseguindo tudo o que quer o preço acaba sendo caro demais com a morte de sua filha num atentado contra ele. A máfia foi uma clara tentativa de levar uma organização tipicamente familiar para a sociedade competitiva norte americana, numa busca pela preservação dos imigrantes que encontraram na América trabalho, mas não uma inclusão social.

2 Comments:

Blogger Camila Pontual said...

Na verdade, eu não ia analisar a trilogia toda, mas resolvi rever todos os filmes embora fosse me focar no segundo. Porém a brilhante atuaçao de Marlon Brando e a morte de Mary Corleone acabaram me convencendo que era preciso falar de todos os filmes. Apesar do post ter ficado grande, me contive muito, o original era o triplo, preciso exercer meu poder de síntese.
Concordo que seria melhor não comentar o final do terceiro filme, no entanto achei que a cena era importante demais pra não ser comentada.
Eu realmente acho que o final do último filme seja uma metáfora de que a integraçao é uma ilusão, tanto que Michael morre, aparentemente, na Itália o que deixa a entender que ele desiste de seu sonho e volta para a Sícilia.
Vou ler "Tocquevillisanas" para depois comentar.. quem sabe num futuro post.

6:48 PM  
Blogger Debs said...

Camila,

Você fala no seu post da busca de uma das personagens pela americanização. Perspectiva interessante, já que eu sempre encarei a máfia como forma de manter a "italianedade" de seus membros.

A própria expressão "cosa nostra" demonstra uma exclusividade dos italianos. A máfia não é para americanos, é para napolitanos, mas essa abordagem mais psicológica de busca de auto-afirmação enquanto cidadão dos EUA soa bastante plausível.

Gostei do post :)

11:45 PM  

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