Monday, December 05, 2005

As Revoluções Mexicanas

A revolução Mexicana inaugura o que eu venho a chamar aqui de o século XX da América Latina. A mítica e o horror do século vinte, tanto na América Latina como no resto do mundo, reside na capacidade que ele teve, devido aos avanços tecnológicos, de tecer caminhos entre poços estanques e fazê-los tomar conhecimento uns dos outros e de si mesmos. A partir desse contato ou choque, foi-se possível reavaliar os conceitos de unidade existentes e perceber que fronteira é mais do que uma linha no mapa. Assim, a revolução Mexicana cumpre uma proposta tácita ousada: revelar as miríades no âmago da América Latina, expondo a distância entre o que se propõe do nacionalismo e a nação. Desta forma, toda a consolidação dos Estados latino-americanos que vinha se dando desde o séc. XIX entra em questão. Pela ótica do México, o século XIX designa o México e o século XX pergunta: Quem é o México?

O México verdadeiro. O jornalista norte-americano John Reed, designado para cobrir a marcha de Pancho Villa até Torreón, deve ter se visto frente a frente com o México verdadeiro quando percorrendo os confins do México se deparou com o camponês sem rosto – protagonista da revolução – que, estando no México, não faz parte dele. Muito longe da arena política, esses mexicanos delineiam a face mais contundente da revolução: os mexicanos de nome, mas não de direito, cuja maior pretensão de nacionalismo é possuir as terras, que um dia suas, tornaram-se instrumento de barganha para a centralização da máquina estatal. De forma bastante contraditória, o Estado mexicano se construiu à medida em que negou o direito de uma parte significativa dos seus “nacionais”. O protagonismo do campesinato fica evidente quando se entende a revolução como uma crítica à demarcação do que é o Estado Mexicano. Os camponeses são o exemplo da exclusão mais voraz do projeto de Estado; eles são mexicanos, apesar de não merecerem (exercerem) esse nome. Para esse México, a revolução – por isso quero dizer a pretensão de inclusão – é social, política, econômica e cultural.

O México das influências. O México que o mundo vê é o da urbanização, da industrialização e das camadas médias, é o México de Rivera e Frida. Como o resto do mundo, vivendo os anseios da consciência de classe: qual é o regime ideal? Anarquismo, liberalismo, socialismoS ou comunismo? Nesse México reside o outro pólo da revolução, o México que deseja participação política, constituir um Estado idôneo e progressista no melhor molde americanista. As influências estão também nas artes e na literatura e nos murais de Rivera. Representante da intelligentsia da camada média emergente, ele está interessado nessa mesma pergunta do texto: Quem é o México? Em suas próprias palavras: “Pela primeira vez na história da arte, a pintura mural mexicana transformou em herói da arte monumental a massa, ou seja, o homem do campo, das fábricas, das cidades, o povo.” A arte modernista de Rivera pode se caracterizar como uma tentativa de inclusão dos vários Méxicos em um único todo coerente.

As Revoluções. Então, havia na verdade duas revoluções em curso, de dois Méxicos absolutamente opostos almejando fins diferentes para si próprios. Nesse contexto, há uma polarização entre burguesia e camponeses, e para entendê-la, é necessário voltar-se para a História e analisar a cisão entre Zapata/Villa e Carranza. Os projetos camponês e burguês mostraram-se inconciliáveis: a pressão crescente das lideranças camponesas pela reforma agrária em oposição ao compromisso burguês com a propriedade. Nesse contexto, Carranza instrumentaliza uma aliança com o operariado e uma constituição liberal para desmobilizar os camponeses e garantir o Estado burguês. Assim, ele permitiu travestir o projeto burguês em um projeto de todo o povo mexicano. A partir desse momento, o Estado se torna a própria Revolução. Melhor dizendo, mata-se uma das revoluções. Já que não é possível unificar os vários Méxicos, é preciso conciliá-los.

Assim, inaugura-se uma vertente política que se manteve constante por todo o século XX da América Latina – o populismo. Num continente de contrastes e identidades concorrentes dentro de um mesmo território, para se manter o mínimo de estabilidade, é necessário ceder um pouco às classes alijadas para evitar a convulsão social. Por outro lado, a revolução Mexicana serviu para mostrar o potencial revolucionário da classe campesina. Ambos os modelos irão inspirar enormemente o desenrolar dessa expedição de encontro da América Latina com ela mesma que permeou todo o século XX. Em poucas palavras, radicalização, opressão, dependência e libertação.

1 Comments:

Blogger Manoela said...

Laís,

Quando escolhi a história do México, no período passado, para retratar no finado blog Rei Leopoldo 2, eu tive em mente a exclusão que comumente fazemos a este país tão importante (e tão indecifrável). Felizmente, posts como o seu, assim como aqueles da Tatiana, da Camila (sobre Frida e sobre os muralistas), da Verônica e da Marcia, incentivam-nos a voltar a discutir este vizinho escondido sob o sombreiro.

Após ler o seu post, pergunto: não é o que todo Estado faz ao ser construído, negar os direitos a alguns nacionais? Não vejo como uma distinção mexicana.

Sobre o "populismo", por mais atroz que seja, não posso imaginar como um modelo político consiga ser mais inteligente. Intelectualmente, claro. Não estou pregando aqui o "populismo", pelo amor de Deus; só quero dizer que é inegável que seja uma idéia esperta.

Há uma coisa que me incomoda sobre a nossa visão a respeito da História do México - e quando digo NOSSA, quero dizer minha também -, e esta é o viés marxista que oferecemos a ela. A burguesia transformando o Estado em ideologia, o proletariado (e, no caso, o campesinato) sendo oprimido. Não fica um chato, e não parece um pouco comprometido? Digo: quando finalmente trabalharemos com uma análise que veja mais lados? É tão cansativo aceitar este maniqueísmo irrecuperável - quem tem o poder vai vencer e ponto... até um dia não-sei-qual em que a revolução vencerá.

O que acha?

5:07 AM  

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