Saturday, November 26, 2005

Socialismo e democracia?


Allende sobe ao poder em 1973 eleito democraticamente com uma missão inédita: impor o socialismo através da via democrática. Ao contrário de todas experiências anteriores, o desenvolvimento econômico, a estrutura institucional, a organização social e principalmente as condições políticas do Chile foram motivos suficientes para Allende acreditar em um “segundo caminho para o socialismo”, dentro dos marcos do sufrágio, em democracia, pluralismo e liberdade.

Salvador Allende era candidato da Unidade Popular, uma coalizão formada pelos partidos comunista e socialista, e com o apoio da Democracia Cristã, confirmando assim maioria no Congresso Nacional. A indignação de Allende e dos chilenos com o atraso econômico e lentas mudanças sociais perante a uma histórica estabilidade política levaram a crer no socialismo como solução. Haveria então uma defasagem entre as dimensões político-institucionais e sociais e a dimensão econômica difícil de ser compreendida.

Para início do processo de mudanças, havia uma clara intenção em implantar o socialismo, mas era fundamental a não ruptura da institucionalidade democrática vigente no Chile. O início das transformações foi marcado por embates internos da esquerda, onde uns queriam uma ruptura mais rápida e radical com o estado burguês, e outros admitiam o processo de forma mais periódica. Isso era péssimo, pois a esquerda não era maioria no Congresso e dependia do apoio da Democracia Cristã para obter recursos operativos no poder executivo, fragmentada tornavam-se ainda mais frágil politicamente. Inicia-se então uma crescente oposição entre o poder executivo e o judiciário, mas como previsto, a direção do processo deveria estar restrita e condicionada à ação do Executivo. Com a perda a perda do apoio da Democracia Cristã, sem um apoio popular assíduo, sem um aquecimento na esfera econômica como injeção de credibilidade, Allende via o fim das capacidades democráticas de transformação, e portanto, a inviabilidade da “via chilena” ao socialismo.

Ao final de 73, a queda da Unidade Popular representou o fim de um longo período de vida política democrática, iniciando uma separação profunda entre estado e sociedade. Para a direita chilena, o Chile vivia um insanável antagonismo, pois democracia e socialismo eram e continuaram a ser incompatíveis, sendo inseparável a idéia de socialismo como um caminho inevitável para a ditadura do proletariado. Para os democrata-cristãos, o descompasso interno da esquerda, assim como o medo das transformações econômicas e sociais, fizeram com que optassem pela retirada do apoio e decretassem o fim das condições democráticas de transição.

Á parte das discussões internas da esquerda a respeito dos erros no processo como foi desencadeada a transição ao socialismo, a principal causa do erro seria a falta de ênfase ao caráter revolucionário das mudanças, sendo o socialismo inviável como uma reforma. Seria impossível combinar ordem política e revolução, pois eram necessárias gigantescas transformações institucionais.

4 Comments:

Blogger Debs said...

Pra entender melhor esse período é preciso assitir "Machuca". É sério! A escola onde os protagonistas se encontram é uma representação clara da situação do Chile. O diretor do Colégio Saint Patrick (padre McEnroe) se propõe a abrir suas portas à estudantes carentes da comunidade e passa a sofrer represálias dos pais elitistas. Extremamente conservadores, esses pais acusam o padre de comunismo e querem a expulsão dos novos alunos.

No meio dessa bagunça o pequeno Pedro Machuca, morador de favela e simpatizante do partido comunista, conhece o mimado Gonzalo Infante, morador da parte nobre da cidade e filho de uma anti-comunista. A esquerda e a direita se encontram num cenário de tentativa democrática do socialismo encarnados na pele de duas crianças.

Por um breve período eles mantém uma amizade forte e honesta, mas quando as tensões se agravam precisam escolher de que lado ficarão e Gonzalo faz sua escolha:

"Eu moro do outro lado do rio! Não tenho nada a ver com eles!"

Filme e realidade têm muito em comum, em ambos os casos os planos iniciais são frustrados e, no lugar do ideal, vem os milicos com seus fuzis. "Machuca" é um filme sobre escolhas, conflitos e crianças. McEnroe explica Allende de uma maneira que livro algum jamais poderá fazer, vale muuuito a pena conferir!

10:30 PM  
Blogger Pedro Villardi said...

This comment has been removed by a blog administrator.

10:46 PM  
Blogger Manoela said...

Rafael,

Acho que finalmente conseguirei comentar (meus computadores sempre são acometidos pelos problemas mais bizarros).

Gostei do post. Eu ia falar exatamente o que Deborah comentou: você precisa relacionar este post a "Machuca". Sei que você assistiu, que tal algumas palavras a respeito?

Para mim, Allende/Chile é o caso mais interessante do período, inspirador no campo das artes e bastante diferente no aspecto político.

Sobre a ditadura brasileira, agora me lembro, vale o roteiro de uma peça chamada "Only You". Foi encenada com Gracindo Jr. e Adriana Esteves no Teatro do SESI (Centro) há alguns anos; eu assisti e achei excelente. É essencialmente uma história de amor, mas o pano de fundo do período é muito, muito bem construído.

11:43 PM  
Blogger Camila Pontual said...

Concordo com o Danilo, acho que o maior erro de Allende foi desconsiderar o momento político doméstico e externo. A sua eleição foi muito apertada o que mostra que o seu apoio popular era limitado.
O sociallismo pela via democrática é bem interessante, e seria mais interessante ainda se se tivesse dado certo. Mas tanto a classe burguesa chilena quanto os EUA não estavam dispostos a aceitar tal fato. Porém também é impossível negar o erro histórico e contínuo da esquerda mundial, a total falta de integração, de uma unidade facilitou ainda mais que o impopular governo de Allende ficasse mais apático. Com a briga com a ala mais esquerda que achava melhor fazer a revolução e é por isso não poderia apoiar um governo socialista democrático e a elite que não aceitava as reforma propostas por Alleende, seu governo ficou paralisado.
É interessante lembrar que diversos exilados brasileiros se refugiaram no Chile e o livro do Élio Gaspari, como citou o Danilo, mostra bem isso, a mãe de uma amiga foi uma delas, perseguida no Brasil por ter sido casada com um guerrilheiro, ela fugiu pra o Chile onde se casou e teve filhos. Lá com o golpe foi acabou fugindo de novo para o Brasil e ficou escondida no Sul até a anistia. A ditadura chilena estabelecida com a ajuda americana foi uma das mais violentas, e sanguinárias da américa latina.

8:55 AM  

Post a Comment

<< Home