Thursday, November 10, 2005

Todos são inimigos até que se prove o contrário

Emenda 5: “ (...)ninguém poderá (...) ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade ou bens, sem processo legal”.

A criação de uma comissão de atividades anti-americana em pleno Senado dos EUA pode ser vista como uma demonstração das conseqüências de uma guerra considerada por muitos mais ideológica e psicológica que real. Porém, a própria noção de anti americanismo é subjetiva e, muitas vezes, contraditória. A censura estabelecida era baseada na idéia de que comunistas dos EUA buscavam acabar com o American way of live, destruir valores fundamentais da Sociedade. É um tanto irônico e triste que a forma encontrada para destruir essa ameaça aconteça de uma maneira arbitrária e com o cerceamento das liberdades civis bases do American way of live. A tentativa de se acabar com o comunismo, transformando-o num inimigo interno uma vez que o inimigo externo – URSS- era forte demais para se derrotar. De qualquer forma, a verdade é que a comissão instalou na sociedade americana uma paranóia, uma perseguição que se seguiu aos intelectuais, artistas e outros.
O nascimento da HUAC- House Committee for the Investigation of Um-American Activities- em 1938 demonstra que o sentimento de uma ameaça interna era antigo. Embora durante a Segunda Guerra, com a aliança entre EUA e URSS suas atividades ficaram afetadas. Com o fim da guerra, ela volta a ter um papel mais ativo. No entanto, a mesma comissão pode ser entendida como parte de uma estratégia republicana para recuperar o poder - os democratas estavam no poder desde 1932. A própria rivalidade do Congresso, republicano, com o presidente acarretou em complicações até mesmo para Roosevelt. O próprio presidente é acusado de encorajar filmes pró soviéticos.

As ações da HUAC contra Hollywood se tornavam mais fortes. A pressão por delações levou a uma completa histeria na industria do cinema. O surgimento das listas negras apavoram a todos. Ao ser indicados, diferentemente de um Estado de Direito, o suspeito é que tinha que provar sua inocência. A participação em reuniões ou, muitas vezes a amizade de pessoas mais ligadas à atividade política, não necessariamente, comunistas colocavam a pessoa numa situação de culpado. Para conseguir sair dessa situação, era obrigada a dedurar alguém, mesmo que nos houvesse ninguém para ser dedurado. Muitos apelavam indicando nomes que já estavam na lista negras ou indicando mortos. Porém, com o indiciamento de uma outra pessoa, o suspeito inicial passava a ser visto como um informante, um “paria”. O fato que ser indiciado, de estar nas listas negras significava, muitas vezes, o fim da carreira, ou pelo menos a sua decadência. Alguns tiveram sorte, como a atriz Nancy Davis, futura primeira dama dos EUA, que teve seu nome da lista negra por engano e o teve retirado pelo seu futuro marido, Ronald Reagan, presidente da Screen Actor Guide, um colaborador da Comissão.
No entanto, boa parte dos suspeitos apelavam para a 5 Emenda, a qual dizia que ninguém pode ser testemunha contra si mesmo. Esse recurso, porém, não podia ser utilizado após o início do interrogatório. E caso o suspeito a usasse depois do início do interrogatório para não responder alguma pergunta era acusado de perjúrio e preso. Esse recurso era o último resquício de um país liberal que tinha, na Constituição, as liberdades civis asseguradas.

O impacto desse processo foi imenso nas artes. O medo tomou conta, principalmente, do cinema. Um dos fatos mais marcantes é o grupo de dos 10, constituídos por membros da industria cinematográficas que se recusaram a colaborar com a comissão e após apelações ficaram presos por até um ano, além de serem suspensos pelo estúdio. As acusações da HUAC se baseavam em interpretações dúbias de atitudes dos artistas, por conseguinte, o trabalho era analisada buscando-se qualquer ação que se possa assegurar o anti patriotismo desses artista. Ou seja, a busca por uma confirmação da ideologia comunista dos suspeitos fez com que os censores vissem em filmes relativamente bobos grandes conspirações anti americanas. Por conta das perseguições muitos artistas optaram pelo exílio como Orson Welles, Chaplin e outros.

Independente do que tenha gerado essa paranóica e descabida comissão, o fato que um Estado de Direito permitiu que as liberdades civis, base da sua Constituição, fossem ameaçadas demonstra a fraqueza da considerada mais forte das democracias. Porém, a comissão pode ser vista como parte de um jogo política na qual busca associar os democratas como fracos em relação à luta contra o comunismo e, assim, possibilitar a volta dos republicanos- o que de fato ocorreu. A admissão de culpa exigida pela HUAC coloca em risco os direitos civis, além de possibilitar ao poder legislativo o poder de julgar e praticamente condenar ao ostracismo os artistas das listas negras. O macartismo só irá perder força com a eleição de Eisenhower e a tentativa de McCarthy, cada vez mais paranóico, de investigar o exército. A perda que toda a sociedade americana teve por conta uma ação política, autoritária foi imensa, a migração de intelectuais, artistas foi grande. A necessidade que se criou de garantir a lealdade dos cidadãos aos EUA através de testes, a imposição de padrões para seus artistas se assemelhada ao totalitarismo[1].
[1] In Whitfield, Stephen in Culture of the Cold War

7 Comments:

Blogger Camila Pontual said...

Gostaria só de avisar que eu tentei colocar umas fotos, mas não conseguiu, depois que aprender isso. Eu editarei o post só pra colocar as fotos.

1:10 AM  
Blogger Manoela said...

Camila,

No seu post me interessaram duas coisas em especial: a referência a Hollywood e a expressão jurídica de um objetivo claramente político.

Em relação ao primeiro, achei muito bem conduzido, e lembro a participação de Elia Kazan, fenomenal diretor, como um dos mais célebres delatores - responsável, inclusive, se não me engano, pelo processo contra o Dalton Trumbo.

Quanto ao segundo, mais complicado. Por que o Direito é insistentemente um instrumento dos interesses? Basta um Ato ou uma emenda e há legalidade para qualquer coisa. É apenas caso de não fugir aos parâmetros da Constituição... E pensar que há quem ache o Direito uma carreira bonita!


Para Danilo: poderia falar mais sobre o filme?

Para Tatiana: os arranhões à democracia não são um privilégio norte-americano. A democracia, como qualquer outro princípio, é muito mais pragmática do que possa parecer. A ideologia está morta...

12:50 AM  
Blogger Camila Pontual said...

Concordo com a Manoela que o Direito pode fornecer instrumentos para legalizar praticas ilegitimas. Isso é, infelizmente, um uso corrente nas sociedades, inclusive nas democracias. Em relação ao que a Carla falou, é evidente que o macartismo foi usado num contexto especial, e que ideologia muitas vezes, está a serviço do poder, da busca dele. É importante resaltar que a necessidade de aprovação, de apoio popular existia nos EUA e não na URSS, logo o macartismo é um instrumento para obter esse apoio. A histeria servia aos insteresses políticos, legitimava a rivalidade EUA e URSS.

11:14 AM  
Blogger Anna Carol said...

Lembrei do "terrorismo de Estado". Assim como disse a Camila, o macartismo era um instrumento para obter apoio. O ambiente de histeria servia para legitimar qualquer ação. Será possível fazer uma analogia com os EUA de hoje? Todas as medidas tomadas internamente para combater a "ameaça terrorista" não serviriam as mesmos propósitos de legitimação? Impossível não pensar na "cultura do medo" do Michael Moore (tenho plena consciência que serei muito criticada por citá-lo).

9:45 PM  
Blogger Manoela said...

Carol,

"A cultura do medo", na verdade, não é do Michael Moore, mas do Barry Glassner. O Moore, como sempre, apenas se apropria das idéias alheias - aliás, em sua função típica de esquerda preguiçosa.

E a tática, bem ou mal, é antiga, antiga, antiga. É sempre assim, cria-se uma atmosfera de medo para fazer uma idéia vencer. Não acho que seja privilégio do macartismo!

10:13 PM  
Blogger Anna Carol said...

Manu,
Obrigada pelo esclarecimento. Concordo com você, tinha até colocado isso numa das provas escritas que infelizmente acabou na gaveta.

8:54 AM  
Blogger Camila Pontual said...

Daniel
concordo que nos regimes totalitários a situação, a perseguição era muito pior. É claro que nesses locais não havia a 5 emenda, nem qualquer outro mecanismo para se livrar dese julgamento injustificável. Mas isso não torna o macartismo menos pior que as outras formas de censura de perseguição política. O que é importante ressaltar é que em regimes totalitários, a perseguição é esperada, apesar de ser injustificável, mas num país democrático, a censura, a perseguição é uma surpresa, é uma distorção da democracia. A 5 emenda era, nessa época, o único resquício de um país democrático. Mesmo os que apelaram para ela sofreram. Quem era perseguido, quem estava nas listas negras era expurgado da sociedade. Sem emprego, sem amigos, era assim a forma que muitos acabaram se matando. Tanto que muito dos perseguidos cometeram suicidio, e na minha opinião o Estado era nesses casos responsável por esses suicidios.

3:26 PM  

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