Friday, October 28, 2005

Papel da Democracia!? Quiet American - Graham Greene


“Esta é a época patente de novas invenções
Para matar os corpos e salvar as almas,
Tudo propagado com a melhor das intenções.”
Byron

Início da década de 50. Documento CSN 68 conclui que o equilíbrio global encontra-se em risco na Indochina: “... qualquer extensão substancial adicional da área sob o domínio de Kremlin daria lugar à possibilidade de que nenhuma coalizão adequada para enfrentar o Kremlin com força maior poderia ser reunida”. Sob a liderança de Ho Chi Minh, do Partido Comunista, vietnamitas lutam contra a presença colonial francesa no país. Comandados pelo General Vo Nguyem Giap, vietnamitas cercam o inimigo em Dien Bien Phu (fortificação francesa) em 1954 e as tropas francesas são vencidas. Sob pressão dos EUA, o Vietnã é dividido em Vietnã do Norte (capital Hanói, socialista) e Vietnã do Sul (capital Saigon, capitalista) e o conflito se acirra. É nesse contexto, em Saigon, que as histórias de Thomas Fowler, Alden Pyle e Phuong se cruzam.

Thomas Fowler é um jornalista inglês. Um homem que foi para o Vietnã para acompanhar o conflito de perto, mas principalmente, para fugir de sua vida na Inglaterra. Apesar de ser europeu e estar escrevendo para pessoas interessadas na vitória francesa, ele insiste em sua neutralidade. Contenta-se com as suas reportagens, com a companhia de sua amante e seu ópio até conhecer Alden Pyle. Percebe então o quão difícil é não tomar partido quando se está no meio da guerra. Pyle é um sonhador norte-americano, que durante boa parte na narrativa, se mostra misteriosamente leal e até mesmo ingênuo. O papel do Ocidente de York Harding é o livro que o acompanha em sua missão no país. Pyle se apaixona por Phuong, a amante de Fowler, e é interessante como lidam com a questão da amizade em uma situação delicada como essa. Fowler é um homem mais velho e vê em Phuong uma companhia para a sua última década de vida. Pyle, jovem, sonha em se casar com ela e levá-la para a América. Contudo, as divergências entre os dois só se tornam graves no que diz respeito ao futuro do Vietnã.

A obra de Greene é um tanto amarga como seria qualquer história em meio a uma guerra. Quando se começa a ler, percebemos que ela foi escrita por alguém que realmente esteve naquele cenário. (De fato, Greene viveu em Saigon entre 1952 e 1957, como correspondente estrangeiro do jornal The Times). O calor, a tensão, a vulnerabilidade dos personagens, tudo é tratado de maneira muito pessoal e envolvente. Até mesmo Fowler, o inglês experiente e egocêntrico, aparentemente inabalável, sensibiliza-se diante das atrocidades que presencia ao ir para o Norte. Lá, ele se depara com aldeias destruídas, famílias inteiras mortas e se pergunta o porquê de tamanha crueldade. Os comunistas fariam aquilo? Que interesse eles teriam em atacar civis? Teria sido obra dos franceses! Mas a censura não permite que tal coisa seja publicada. Os conflitos internos aumentam, quando precisam, ele e Pyle, passar a noite em uma tôrre. Dois soldados muito jovens e assustados o recebem. Mais uma juventude ocultada pela guerra, pensa Fowler.

O aspecto político de Quiet American destaca-se com o debate a respeito da liberdade. No início dos anos 50, os americanos já haviam começado a se envolver. A presença de Pyle, como agente da OSS (hoje CIA), com todas as suas idéias de democracia demonstra bem isso. Acreditava na Terceira Força, que não seria nem o colonialismo francês e nem o comunismo dos Vietmihn. A Terceira força era a democracia. Mas que liberdade ela traria ao povo vietnamita? Estariam os camponeses, ao chegarem aos seus barracos, interessados em liberdades políticas e civis? Na existência dessa liberdade, os vietnamitas não votariam no comunismo pelo qual lutavam? Quanta hipocrisia! Mas temos que concordar com o autor predileto de Pyle, York, quando diz que “os bons administradores que tornam difícil mudar o sistema”. Realmente muito difícil não tomar partido.

5 Comments:

Blogger Manoela said...

É o contrário sim.

Como eu li este livro e achei espetacular, gostaria de comentar um pouco. Mesmo eu me esforçando para NÃO ater o cenário político-social - sou especialista em só me preocupar com as partes dramáticas -, o livro de Graham Greene pareceu bastante claro.

Em vez de apostar meramente na questão do Vietnã, pergunto: não seria uma argumentação atemporal? Acreditar sempre em uma Terceira Via, em algo entre os extremos, em um modelo que, ainda não viciado, não ceda à corrupção?

(Alguém que tenha visto o filme pode me confirmar se Fowler foi vivido por Michael Caine? Quero saber se vale o esforço...)

.....

E é Manoela postando.

11:30 PM  
Blogger Manoela said...

Sobre a discussão que acontece aqui em cima, só consigo me lembrar da inviolabilidade da soberania estatal.

Posso tê-lo entendido errado, Daniel, mas você pareceu defender, em toda a sua argumentação, a prática norte-americana (que hoje eles conclamam como um direito) de intervir preventivamente em situações que eles considerem de potencial oposição aos seus interesses. Qual seria o grande problema de condená-los?

Entendo em parte o que você comenta; também me incomodo com a estigmatização dos EUA e com a nossa insistência em negligenciar outras possíveis ameaças à paz, à ordem, à estabilidade (como queiram chamar) do sistema. Só discordo de que, para isso, devamos relativizar as práticas norte-americanas a ponto de considerá-las plausíveis (ora, as práticas de Saddam Hussein eram tão deploráveis que não se justificava esperar a ONU legitimar uma intervenção?).

Se for o caso de aprovarmos as atitudes norte-americanas toda vez em que Washington resolve intervir em um governo "ruim", acho que é caso de revermos nossas críticas ao apoio deles aos golpes militares dos anos 1960 e 1970 - inclusive aquele realizado no Brasil. Afinal, sempre haverá quem diga que o governo, vamos dizer, do João Goulart, fosse ameaçador a algum interesse - ou, pior, incapaz de solucionar de forma ordenada os problemas do país!

É isso mesmo, os EUA podem simplesmente aplicar suas idéias às políticas de outros países e considerar o que seja bom ou ruim? Não sou contra intervenções e tampouco defendo o governo de Saddam Hussein, porém, perceba, o grande problema é a insistência em agir unilateralmente.

..............

Sobre o comentário do João Daniel, fico feliz de perceber que minha obsessão pela parte dramática (o triângulo amoroso) não foi em vão.

5:39 PM  
Blogger Manoela said...

Mais considerações...

Nunca saberemos se João Goulart não tinha, ele também, ligação com algum grupo antiamericano ou objetivos de fundar uma liga latino-americana de contestação a Washington. Acho que a extrema direita até poderia inventar algo a respeito...

Para os norte-americanos terem legitimidade de apoio ao golpe militar de 1964 bastaria, então, disseminar este objetivo, não? Mais ou menos como eles fizeram quanto à existência de armamentos de destruição em massa no Iraque ou de ligações profundas entre a Al Qaeda e Bagdá.

Terminando: não vejo grande diferença entre uma invasão do Iraque pelos EUA ou pelo Irã. A ação não seguiu princípios outros, Daniel, do que interesses nacionais. Não era uma questão de democratizar, de defender direitos humanos, de evitar uma guerra civil. Era simplesmente uma expressão unilateral de poder. Você realmente acha que o Iraque possa florescer com o tipo absolutamente duvidoso de intervenção que lá foi feita?

5:49 PM  
Blogger Manoela said...

Para que todos fiquem felizes, eu lembro que condeno qualquer ação unilateral; seja norte-americana ou não.

E também tenho minhas dúvidas se uma ação em grupo (ONU) teria tanta legitimidade assim. Mas seria menos errônea, não duvido.

5:51 PM  
Blogger Manoela said...

Daniel,

Fico feliz de tê-lo interpretado mal. A sério, não conseguia reconhecê-lo dentro de um discurso cerradamente pró-americano.

Concordo, realmente o contexto faz alguma diferença (a Guerra Fria), mas ainda assim não vejo muita legitimação nas ações norte-americanas. É a questão: reconhecer ou não as políticas de poder? Por mais compreensíveis que sejam, quando nos lembramos de que mortes (de pessoas e de princípios) estão envolvidas, fica complicado defender.

12:28 AM  

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