Sunday, October 02, 2005

"Big Brother is watching you"


O slogan acima, do livro 1984, de George Orwell, sozinho já consegue transmitir um pouco da atmosfera do país fictício narrado no livro. O personagem principal, Winston Smith, e uma considerável parte da população, estão sob rígida vigilância durante a maior parte do tempo: além de existirem televisores em suas casas e em quase todo o lugar, as pessoas são observadas pela Tought Police o tempo todo. Pôsteres gigantes do Big Brother encontram-se espalhados pelas ruas das cidades. As pessoas não são livres nem para pensar. Em Oceania, não há liberdade de expressão, e sim uma subordinação total e completa ao Estado ( ao Partido), que tem como seu representante máximo a figura do Big Brother.

Apesar de ter sido escrita em 1949, o próprio título da obra remete a um futuro próximo, durante o qual o autor descreve três superpotências que estão freqüentemente em guerra entre si. Em Oceania, que é uma delas, o slogan “War is peace” é largamente utilizado e a população em geral é instigada a apoiar a guerra, mesmo que muitas vezes nem se lembrem mais qual é o inimigo real de Oceania. A explicação que se dá para isso é que uma guerra permanente é realizada para se manter uma paz permanente. Além disso, qualquer ação pode ser interpretada como uma traição ao Partido, e até mesmo crianças são instigadas a denunciar qualquer suspeito. Nesse sentido, partindo do pressuposto de que qualquer coisa pode ser considerada um crime, é instituído o termo “toughtcrime”, que caracteriza um crime não menos importante do que os outros: o de ter pensamentos que possam ir de encontro à ideologia do Partido. Daí a função da Tought Police: a de procurar encontrar dissidentes que cometam o toughtcrime e é responsável por fazê-los simplesmente desaparecer. Dessa forma, a sociedade perde o acesso ao seu pensamento crítico. Espelhados na figura do líder, a postura que se tem é a de passividade, e não de reflexão. É a de responder apenas, reagir a estímulos, que são dados pelo Partido.

É possível traçar um paralelo da realidade narrada no livro com os regimes totalitários. O culto ao líder como autoridade única e absoluta, a subordinação total e completa ao Partido, e a própria alienação do indivíduo e sua anulação em função do coletivo, ( o que pode ser percebido com a supressão da liberdade de expressão e pensamento) são componentes em comum entre a realidade do livro e aquela que vigorou nos regimes totalitários. Além disso, a participação popular também era estimulada no sentido de que havia a crença em um inimigo do Partido: o chamado Brotherhood, que de fato, não teve sua existência comprovada até o fim da trama. Contudo, a função básica para a suposta existência do Brotherhood é o fato de que esse constituía uma ameaça ao Partido. Dessa forma, esse seria mais um estímulo para o apoio popular ao mesmo. Análises e relatórios freqüentes mostravam o ‘progresso” que havia ocorrido em Oceania até então, que não era verdadeiro, mas servia também como incentivo de apoio ao Partido. Por fim, a severa censura a qualquer meio de informação tornava impossível se ter acesso a qualquer tipo de informação contrária à doutrina do Partido e é também responsável pela criação de uma uniformidade de opinião. A verdade passa a ser a vontade do Partido, que a controla. Todas essas variáveis consistiam em mecanismos para garantir o objetivo desse, que era o de se manter no poder através da manipulação das massas.

Exemplos concretos das semelhanças citadas acima são: a paranóia generalizada criada em relação a espiões ( o temor ao inimigo) durante a hegemonia stalinista na Rússia, a lavagem cerebral ideológica realizada nesse período, o fanatismo político e a repressão política, associados com a idéia do progresso, da produção observada: combinações eficientes e perigosas, que passavam a impressão de que o Partido ( centrado na figura de Stalin, o Grande Pai da Rússia) era de fato digno de ser venerado. Nesse sentido, 1984 de George Orwell aparenta não ser uma obra tão fictícia assim, ou, pelo menos, talvez a ficção mais próxima da realidade que estaria por vir já escrita. Além de constituir uma crítica aos regimes totalitários em geral, a renomada obra pode ser aproveitada, também, em alguns aspectos, para nossa realidade atual.

4 Comments:

Blogger Manoela said...

Verônica,

Ainda não consegui ler 1984 até o final. Tenho um sério bloqueio com o livro, apesar de admitir que, naquilo que li, é genial.
(E é cheio de metáforas; e como gosto delas, não é mesmo?)


Daniel,

Tudo bem, não é todo mundo que gosta do Lorca mesmo. Mas queria saber se estava bem escrito, pelo menos.

10:11 PM  
Blogger Debs said...

Todo mundo resolveu comparar a situação política da fictícia Oceania com a União Soviética stalinista! Assim fica muito fácil, né gente! Que tal comparar com nossa democracia ocidental?

A dita liberdade de imprensa... Será que é mesmo tão livre assim? Só sabemos o que querem que saibamos, idéias contrárias são reprimidas, desencorajadas, taxadas de subversivas... Me parece que pelo menos o Grande Irmão é claro nos parâmetros de censura e oferece ao povo uma saída mental para tanto cerceamento de liberdades individuais: o Duplipensamento!

Deixa eu explicar melhor. Duplipensar é apagar qualquer pensamento contrário ao partido e substituí-lo por outro fornecido pelas agências oficiais. O processo é complicado para leigos tão acostumados a pensar livremente, mas ocorre automaticamente para a maioria dos cidadãos de 1984.

Além disso como é possível falar de opressão do povo quando não há com o que comparar a situação?! O mundo todo de 1984 se resume a ditaduras iguais a do Grande Irmão. Os livros de história foram APAGADOS!!! Quase ninguém se lembra de como era a vida anteriormente, e quem lembra já é muito velho e caduco. Eles são tão livres quanto podem ser, igualzinho a gente!

Torço para estar enganada, mas 1984 pode estar mais perto do que parece.

10:13 PM  
Blogger Anna Carol said...

Hum.. discussão interessante...
Antes de mais nada quero me filiar ao fã clube da Débora.
Bom, ainda estou no comecinho do livro, então não me acho 100% em condições de argumentar sobre ele. Mas ao ler os últimos comentários, não pude evitar de começar a me perguntar como seria a sociedade se não houvesse moda, padrões. Lembrei-me da professora de sociologia dizendo: "olhe em volta e veja quantas pessoas estão de calça jeans!" Liberdade? Livre espressão individual? Será que nosso amigo Durkheim estaria certo ao dizer que a ausência de conflito na modernidade se daria pela dependência, e não antecipação do comportamento como era na pré-modernidade? Realmente não há padrões de comportamentos? Tendo a discordar da visão dele. A sociedade (sempre ela..) espera que estudemos, casemos, tenhamos filhos...
Acho q minha cabeça deu um nó, conto com futuros comentários para esclarecimentos.

10:32 PM  
Blogger Debs said...

Viena, 12 de Outubro 2005.

A ausencia de acentuacao adequada eh devida a configuracao dos teclados austriacos, favor nao pensar que eu desaprendi a escrever em portugues ^__^

Essa discussao sobre falta de democracia, manipulacao e afins eh muito bem trabalhada na obra de Huxley, que eu pessoalmente definiria como livro-irmao de "1984", "Admiravel Mundo Novo". Recomendo fortemente a leitura, pra quem quiser uma critica ainda mais contundente sobre a dupla dinamica: Liberdade X Manipulacao ou Obstrucao ou Mentira deslavado do governo ou Ignorancia... O foco da obra depende sempre do ponto de vista adotado.

Adoraria tecer um comentario mais profundo, mas tenho mesmo que ir... Imagina se eu ia viajar ate aqui pra ficar filosofando a respeito de tramas intrincadas de conspiracao contra a liberdade individual!! Professor querido, nao estou dizendo que Viena eh mais interessante que sua materia, mas o contato com uma cultura diferente eh certamente um meio igualmente valido de aprendizado. Semana que vem eu faco um post sobre o livro que mencionei pra compensar.
Auf Wiedersehen!

10:59 AM  

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