Tuesday, June 27, 2006

O Século da Apoteose



O filme “Nós que aqui estamos por vós esperamos” traça um painel do século XX através de imagens, é um panorama visual e poético de um século de extremos, parafraseando Hobsbawn. O filme memória de Massagao utiliza imagens históricas, de outros filmes- como clássicos do cinema mundial- para conduzir o espectador através de um olhar único desse século. A vida comum, pessoas ordinárias - mesmo as histórias sendo fictícias, elas são reais- têm sua historia ali contada, e através dessa pessoas, também de grandes pensadores, cenas impressionantes levam de forma não linear os 100 anos provavelmente, mais controversos da historia humana.

O século vinte é marcado pela constante tentativa humana de dominar a natureza. Porém, esse fato não é inédito na historia humana, mas sim uma constante. No entanto, é no século passado que o homem consegue tanto controle que há um processo de desnaturalização das ações. A desumanização é evidenciada no filme pela guerra, afinal nunca se produziu tamanha barbaridade. É na guerra, nas trincheiras da primeira guerra, nas câmaras de gás, nos campo de concentração da 2ª Guerra Mundial que o processo de desumanização, conseqüência da eterna tentativa de controlar a natureza, que o homem encontra seu próprio fim. Um dos poucos momentos do filme em que a bela trilha sonora é o som real das cenas são nas cenas de guerra, nas quais o som é de tiros, bombas. É no século XX que matar passa a ser um ato de apertar um botão, de não ver mais o inimigo, é quando, no maior dos paradoxos, a guerra vira limpa. A vida permeada pela guerra, a vida de um soldado, é a trajetória de uma família na qual o bisavô lutou na 1ª Guerra Mundial. A condição humana é retratada nas trincheira da Grande Guerra, ora ouvindo o rádio no Vietnã, ora nas condições de vida subumanas na mina de ouro, ora as conseqüências do crash da bolsa de 1929. A cena da criança miserável à espera de um Deus que nunca chega.

A linha de montagem, brilhantemente representada pelo Chaplin em Tempos Modernos, também aprece no filme. É a “desintelectualizaçao” do trabalho. Não é mais preciso pensar, só ser rápido. As mulheres também entram na linha de montagem, fato que é mais evidente na parte do filme que as mulheres em empresas bélicas na época da primeira guerra. O homem máquina, a cultura de massa, tudo se torna bussiness, se torna rápido, fácil. O cinema tem grande crescimento, as cidades passam por amplas reformas. É uma revolução cultural.
Revolução cultural também ocorre na China de Mao anos depois. Apesar do nome, a revolução cultural foi uma das maiores monstruosidades de um ditador. Alunos matavam professores, a arte passava as ser fiscalizadas, a vida era monitorada para se adequar a padrões irreais exigidos “pela revolução. Apesar das atrocidades cometidas pelos destorcidos Mao, Pol Pot, Hitler, Stalin, Pinochet entre outros, a revolução é a marca desses 100 anos, a revolução sexual, a feminina ( “we can do it!”), woodstock, os hippies, são todos momentos inesquecíveis. Até para quem não os viveu.

O século XX também é caracterizado pelo brilhantismo de Ghandi, Lennon, Timothy Leary, Martin Luther King- esses estão na Lua conversando sobre assuntos terrestres numa sátira do diretor-, Nijinski, Josephine Baker, Garrincha e Fred Astaire, esses dois últimos mostrados num paralelo de dança com o samba como trilha sonora. É claro que um século tão controverso a arte não poderia faltar. Ela é representada pelo cinema em ascensão nos anos 1920. As cenas de filme utilizadas tanto como cenas da vida no século XX são uma forma de homenagear a sétima arte. É importante ressaltar o surgimento da cultura de massa, o rádio, a televisão. Pela dança de Fred Astaire, pelo balé de Garrincha, pelas obras de Duchamp, de Munch (com sua angústia tão representativa de um século marcado por duas grandes tragédias), por Hopper, por Leonílson e seu vazio, por Arthur Bispo do Rosário e sua loucura genial. O século que se foi, era sem dúvida, um dos mais criativos, dos mais inventivos.

O filme que tem em Freud como guia, pode ser sintetizado pela frase do seu próprio condutor “o homem já não é senhor da própria causa”. O filme de Marcelo Massagão produziu é uma obra visual, poética com a bela trilha de Wim Mertens brincou com as perspectivas de pessoas comuns num século grandiloqüente com uma musica que dá nexo a historia. A opção pela não linearidade do filme tem respaldo na turbulência do período retratado. O nome do filme, referência aos letreiros das portas dos cemitérios, é uma síntese da mortalidade do homem diante da eternidade da história.
Sugestão: escutar ou a trilha sonora do filme, ou Cavalgada das Valquírias de Wagner para ler o post.