Wednesday, November 30, 2005

Política do Pão e do Circo

Há centenas de anos, os imperadores do Estado romano em decadência buscavam distrair seu povo fornecendo-lhe o básico para a sobrevivência e o mínimo de lazer -dessa forma, a população entrava em transe, tornando-se facilmente manipulável no tocante a questões políticas e sociais. Era a chamada “política do pão e circo”.

Embora esta pequena descrição remonte à história antiga da humanidade, podemos observar as mesmas medidas sendo tomadas na atualidade- reformuladas, porém com a mesma essência. Exemplo inquestionável disto é a forma como os jogos de futebol foram explorados pelas ditaduras contemporâneas, alienando populações e mascarando as realidades cruéis de seus governos.

Em 1934 foi realizada a segunda Copa do Mundo de Futebol, na Itália de Mussolini. Il Duce aproveitou-se do evento para a promoção de seu regime, incluindo meios escusos para tanto: juízes foram pressionados e atletas foram naturalizados italianos para vestirem a camisa da Azzura, para a tristeza de Jules Rimet, que não desejava ver sua idéia transformada em forma de propaganda política. Nesse momento, a Europa já estava instável, pela chegada ao poder de outro regime totalitário na Alemanha. A Grande Guerra que se seguiria -intrinsecamente ligada a tais regimes- impediu que as copas de 1942 e 1946 fossem realizadas.

Em 1950, o retorno às atividades se deu no único país candidato a sediar os jogos: o Brasil, distante da destruição bélica. Os ingleses, inventores do futebol, aproveitaram-se do ensejo para demonstrar sua força e a recuperação frente aos bombardeios nazistas. Entretanto, os donos da casa eram os favoritos, e mesmo assim, amargaram derrota contra os Uruguaios no maior palco do mundo. A humilhação só viria a ser superada com as glórias em 58, 62 e 70.

A vitória de 1970 teve um significado político, além da conquista definitiva da taça Jules Rimet. Com a primeira transmissão via satélite para todo mundo a Copa pôde ser acompanhada por milhões de espectadores no país. A ditadura vigente no Brasil utilizou o nacionalismo despertado pelo esporte para reforçar sua imagem e posição internamente e no exterior exaltando o triunfo da seleção nacional como símbolo de progresso e sucesso do regime.

Médici na presidência da república (1970-1974) soube habilmente explorar o momento de êxtase nacional. Martelavam-se bordões como "Milagre brasileiro", "Ninguém segura este país" e aos opositores, uma rude intimação: "Brasil: ame-o ou deixe-o". Nessa época, a censura aos meios de comunicação extremamente implacável, a perseguição aos movimentos democráticos foi mais cruel e o desprezo pelo Congresso e pelo Judiciário maior do que em todos os 21 anos da ditadura. Mas os olhos só viam as lojas repletas de mercadorias de crédito fácil e a euforia nacional cegava os olhos críticos da classe media que acabou respaldando quase incondicionalmente a “gloria” do regime, materializada na conquista da Copa do Mundo e o “progresso” a ela atribuída.

Paralelamente, em 1974 no país vizinho, morre Juan Domingo Perón, líder carismático argentino. O fato faz precipitar no país uma crise econômica e social sem precedentes, que culminam com o golpe militar de 1976. O mundial da Argentina estava com data marcada para 1978. A opinião pública internacional manifestou-se contra a realização do evento no país e uma forte corrente dentro da FIFA tentou tirar a Copa dos argentinos. Foi necessário um acordo de trégua entre os militares e a guerrilha, que prometeram solenemente não praticar atos terroristas durante o campeonato, para que finalmente este pudesse ser realizado.

Em maio de 1977, vésperas da Copa do Mundo, com o país imerso no clima dos preparativos para o cenário do “espetáculo” e quando já se cogitava da sucessão de Videla, líder militar, os chefes do estado maior das forças armadas se reúnem e decidem pela execução de todos os seqüestradores políticos que estavam presos em campos de concentração, tirando proveito da nevoa que cobria os olhares da população comum. A operação de extermínio foi denominada “Natal Feliz” e durou até meados de março do ano seguinte.

Ao fim da competição o título da Argentina, primeiro de sua história, serviu mais uma vez como propaganda a um regime autoritário e também como conforto e ao mesmo tempo prêmio para a população por suportar as mazelas do sistema.

Mais recentemente, a velha e recorrente política rearmou o circo mais uma vez, voltando à tona no cenário mundial. O palco do novo espetáculo foi o Haiti, país mais pobre de toda a América. Imerso em inúmeras guerras civis há décadas e onde a miséria e a pobreza são latentes.

Novamente o futebol foi utilizado como instrumento de manipulação de massas. Com o argumento de tratar-se de um “jogo da paz”, o Brasil, encarregado da missão de restabelecimento da ordem no já arrasado Haiti, enviou sua seleção nacional, os “deuses” do futebol, para um espetáculo, que serviu para mascarar uma realidade de face dupla. Uma delas voltada para os haitianos que acabou por inebriar a opinião pública de sua população encantada com a “generosidade” do povo brasileiro e, no sentido de fazê-los conformarem-se com o papel de agente passivo no processo de “pacificação” do seu próprio país e esquecer a situação caótica e desesperadora que vivem. E a outra voltada para nós brasileiros, cuja realidade social não é menos perturbadora no sertão ou nas favelas. Ainda assim, nossa seleção de futebol serviu mais uma vez de propaganda de progresso e prosperidade de uma nação, a real termo, cheia de contrastes e de problemas estruturais críticos. Mais uma vez o brasileiro se sentiu acometido por um nacionalismo ufanista e deturpador da realidade, nos fazendo sentir um povo evoluído ou superior e livre de problemas básicos como a fome ou o analfabetismo. Podemos concluir parafraseando o compositor Caetano Veloso, que sabiamente proferiu em seus versos uma sentença às vezes esquecida por nós em situações que provocam perplexidade e esvaziamento do nosso espírito crítico como essas:
- “O Haiti é aqui”.


Marcia Cristina Pulcherio e
Verônica Azzi

Saturday, November 26, 2005

Socialismo e democracia?


Allende sobe ao poder em 1973 eleito democraticamente com uma missão inédita: impor o socialismo através da via democrática. Ao contrário de todas experiências anteriores, o desenvolvimento econômico, a estrutura institucional, a organização social e principalmente as condições políticas do Chile foram motivos suficientes para Allende acreditar em um “segundo caminho para o socialismo”, dentro dos marcos do sufrágio, em democracia, pluralismo e liberdade.

Salvador Allende era candidato da Unidade Popular, uma coalizão formada pelos partidos comunista e socialista, e com o apoio da Democracia Cristã, confirmando assim maioria no Congresso Nacional. A indignação de Allende e dos chilenos com o atraso econômico e lentas mudanças sociais perante a uma histórica estabilidade política levaram a crer no socialismo como solução. Haveria então uma defasagem entre as dimensões político-institucionais e sociais e a dimensão econômica difícil de ser compreendida.

Para início do processo de mudanças, havia uma clara intenção em implantar o socialismo, mas era fundamental a não ruptura da institucionalidade democrática vigente no Chile. O início das transformações foi marcado por embates internos da esquerda, onde uns queriam uma ruptura mais rápida e radical com o estado burguês, e outros admitiam o processo de forma mais periódica. Isso era péssimo, pois a esquerda não era maioria no Congresso e dependia do apoio da Democracia Cristã para obter recursos operativos no poder executivo, fragmentada tornavam-se ainda mais frágil politicamente. Inicia-se então uma crescente oposição entre o poder executivo e o judiciário, mas como previsto, a direção do processo deveria estar restrita e condicionada à ação do Executivo. Com a perda a perda do apoio da Democracia Cristã, sem um apoio popular assíduo, sem um aquecimento na esfera econômica como injeção de credibilidade, Allende via o fim das capacidades democráticas de transformação, e portanto, a inviabilidade da “via chilena” ao socialismo.

Ao final de 73, a queda da Unidade Popular representou o fim de um longo período de vida política democrática, iniciando uma separação profunda entre estado e sociedade. Para a direita chilena, o Chile vivia um insanável antagonismo, pois democracia e socialismo eram e continuaram a ser incompatíveis, sendo inseparável a idéia de socialismo como um caminho inevitável para a ditadura do proletariado. Para os democrata-cristãos, o descompasso interno da esquerda, assim como o medo das transformações econômicas e sociais, fizeram com que optassem pela retirada do apoio e decretassem o fim das condições democráticas de transição.

Á parte das discussões internas da esquerda a respeito dos erros no processo como foi desencadeada a transição ao socialismo, a principal causa do erro seria a falta de ênfase ao caráter revolucionário das mudanças, sendo o socialismo inviável como uma reforma. Seria impossível combinar ordem política e revolução, pois eram necessárias gigantescas transformações institucionais.

“Creo que he visto una luz al otro lado del río”













"Este não é um relato de feitos heróicos. É um fragmento de duas vidas que percorreram juntas um caminho, compartilhando as mesmas aspirações e os mesmos sonhos. Será que nossa visão foi estreita demais, parcial demais? Nossas conclusões foram rígidas demais? Talvez. Mas esse vagar sem rumo por nossa América colossal me transformou mais do que pensava. Não sou mais o mesmo. Pelo menos, não sou mais o mesmo por dentro". – Ernesto Che Guevara, De Moto Pela América do Sul: Diário de Viagem.

Uma viagem que viria a mudar o curso de uma vida. Em 1951, dois amigos realizam uma aventura há muito planejada: uma viagem de moto, percorrendo 8.000km da América Latina. Ernesto Che Guevara, estudante de medicina, e Alberto Granado, biólogo, partem da Argentina com destino à Venezuela. Durante sua viagem de quase 8 meses, conhecendo índios e camponeses, tratando de leprosos, vendo as desigualdades presentes por todos os lados, os rapazes se impressionam com o antagonismo que há no continente: lugares belíssimos com paisagens maravilhosas rodeados por injustiça, pobreza e fome.

Ultrapassando a fronteira entre Argentina e Chile, os viajantes seguem o caminho rumo ao deserto de Atacama. Conhecem um casal de camponeses expulso por um latifundiário e perseguido pela polícia por ser comunista. Che e Alberto ficam emocionados e chocados com a dura e triste história de vida relatada pelo casal. Segundo Che, aquela foi a noite mais fria de sua vida. Noite em que esteve próximo de pessoas que retratavam angústia e desesperança; rostos nos quais as cicatrizes que a vida causou eram mais agudas do que em qualquer outro. Naquele momento, Che se sentiu mais próximo da raça humana, a qual ele não entendia. Tanta injustiça... Mas apenas uma pequena parte da qual ainda havia de conhecer. No dia seguinte, os amigos acompanham os camponeses à mina, onde estes procurariam emprego. Lá, se impressionam com as condições dos trabalhadores: estavam exaustos e com sede. Por que não os davam água?

Seguindo com a viagem, visitam Machu Pichu, no Peru. As ruínas da cidade construída pela civilização Inca, com seus belos monumentos, intrigam os rapazes. Os incas eram o povo mais civilizado da América. Possuíam vasto conhecimento sobre a astronomia, medicina e matemática. Conhecimentos que foram vencidos pela pólvora que destruiu toda a civilização. Vale realmente a pena matar todo um povo, matando junto sua cultura e seus conhecimentos por metais preciosos? Isso é o que chamam de progresso? Será que a América seria diferente, mais justa, se as coisas não tivessem tido esse rumo?

Próxima parada: Colômbia. Lá, trabalham como voluntários numa clínica que cuida de leprosos em San Pablo. Lugar cortado pelo Rio Amazonas que divide o território entre funcionários e doentes. Devo fazer uma menção agora de uma música que faz parte da trilha sonora do filme, “Al outro lado del rio” de Jorge Drexler, belíssima canção que ganhou o Oscar de “Melhor Canção”. Como sua letra diz: “Creo que he visto una luz al otro lado del río”, foi exatamente assim que Che se sentiu. Envolveu-se muito com os doentes, sendo um dos primeiros médicos a tocar num leproso sem luvas. Viu naquelas faces alegria com sua presença, apesar da doença que as dominava. Levou carinho, otimismo e entusiasmo para pessoas que se mostravam indignadas com a vida. Revoltou-se com a divisão que havia entre sãos e doentes, afinal, porque existia essa divisão se não possuíam lepra contaminável? Até nessas pequenas coisas, a desigualdade e a exclusão estavam presentes. Do outro lado do rio, fez amigos e se sentiu em casa. Do outro lado do rio, conheceu pessoas as quais nunca mais ia esquecer.

Chegando em seu destino final na Venezuela, onde seu amigo Alberto ficou para fazer uma residência, Che partiu de volta para a Argentina com muitas idéias e incertezas na cabeça. Tantas coisas injustas que havia visto nessa viagem. Coisas que mudaram completamente seu modo de pensar e que foram importantes para definir suas crenças políticas. Voltou para seu país e terminou a faculdade de medicina a fim de poder ajudar mais pessoas. Lutou por seus ideais, foi uma das pessoas mais inspiradoras e um dos responsáveis pela Revolução Cubana. Morreu lutando por aquilo que acreditava em 1967 na Bolívia.

Essa viagem que seria a princípio apenas uma aventura mudou o curso de vida do jovem Che Guevara. Com as experiências e relatos de vidas obtidas nela, com tanta injustiça e desigualdade que presenciou, Che sentiu necessidade de fazer algo para ajudar a mudar esse mundo no qual o imperialismo domina. Uma frase que me chamou atenção e que se encontra no cartaz do filme, “Deixe o mundo lhe mudar para que você possa mudar o mundo”, caracteriza bem o ocorrido com Ernesto Che Guevara.

** Recomendo a todos que assistam “Diários de Motocicleta”. Filme muito envolvente com uma fotografia linda que foi até indicada ao Oscar. Além do mais, a trilha sonora é belíssima e comovente, na qual faz parte a música que mencionei acima, “Al outro lado del rio”. O filme retrata com realidade momentos vividos pelos amigos na viagem. Uma parte que me emocionou bastante foi no final do filme, onde a última cena é a de Alberto assistindo o avião em que seu amigo estava, partindo. Logo após, o verdadeiro Alberto Granado, que ainda estava vivo no momento das filmagens, reconstitui essa mesma cena. Destaque também para as imagens, em preto e branco, mostradas no final do filme, as quais retratam a enorme pobreza que os viajantes haviam presenciado, com uma música lindíssima ao fundo. Filme que vale a pena ser assistido, não há como não se emocionar.

Fotos verdadeiras da viagem que achei na internet:

Friday, November 25, 2005

Vygotsky: a psicologia soviética

O bielo-russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) é chamado por muitos de "o Mozart da psicologia". Apesar sua vida curta, Vygotsky, extremamente culto, foi autor de uma obra muito importante, tendo entre seus amigos o grande cineasta Serghei Eisenstein, admirador de seu trabalho. Vygotsky é o grande fundador da escola soviética de psicologia, principal corrente que, hoje, dá origem ao sócioconstrutivismo.
Segundo Vygotsky, a natureza humana só pode ser entendida quando se leva em conta o desenvolvimento sóciocultural dos indivíduos. Não existe um indivíduo crescendo fora de um ambiente cultural. Desde o nascimento, o bebê passa a integrar uma comunidade marcada por hábitos, gestos, linguagens e tradições específicas, que orientam os rumos do desenvolvimento infantil. Para Vygotsky, o que nos torna humanos é a capacidade de utilizar instrumentos simbólicos para complementar nossa atividade. Quando aprendemos a linguagem específica de nosso meio sóciocultural, transformamos radicalmente os rumos de nosso próprio desenvolvimento. Assim, podemos ver como a visão de Vygotsky dá importância à dimensão social, interpessoal, na construção do sujeito psicológico.
Para os sócioconstrutivistas o papel da linguagem é fundamental. Mais do que uma simples auxiliar do pensamento, ela é uma poderosa "ferramenta cultural", capaz de modificar os rumos do nosso desenvolvimento. Outros sistemas simbólicos, como a linguagem matemática, também são vistos como poderosos instrumentos para a faculdade mental. O processo de aquisição de todos esses instrumentos é essencialmente dependente das interações das crianças com os outros, especialmente com adultos que utilizam e dominam as diferentes linguagens simbólicas.
O contexto em que viveu Vygotsky ajuda a explicar o rumo que seu trabalho iria tomar. Suas idéias foram desenvolvidas na União Soviética saída da Revolução Comunista de 1917 e refletem o desejo de reescrever a psicologia, com base no materialismo marxista, e construir uma teoria da educação adequada ao mundo novo que emergia dos escombros da revolução. Atento às teses de Marx e Engels, Vygotsky defende o pressuposto de que a materialidade histórica é constantemente plasmada pela ação de consciências envolvidas em processos de interação social. Seu projeto ambicioso e a constante ameaça da morte (a tuberculose se manifestou desde os 19 anos de idade e foi responsável por seu fim prematuro) deram ao seu trabalho, abrangente e profundo, um caráter de urgência. Grande parte de sua obra está sendo divulgada somente agora pois se no Ocidente sua teoria sofria de um “embargo” imposto pela Guerra Fria, até mesmo na União Soviética suas idéias entraram no grande expurgo promovido por Stalin entre os anos de 1936 e 1956 e sobreviveram somente graças à devoção de um grupo de discípulos. Felizmente, sua teoria sóciocultural do desenvolvimento é atualmente cada vez mais pesquisada no meio acadêmico.

Monday, November 21, 2005

Los tres grandes- os muralistas

"O Homem e sua encruzilhada" Diego Rivera

O movimento muralistas é considerado um dos mais ricos esteticamente do México. Los Tres grandes- Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfarro- são hoje reverenciados pelos seus belos murais espalhados pela Cidade do México. Os três eram marxistas que participaram de movimentos políticos. Seus murais mostram o desenvolvimento de um país agrário, de uma revolução única para um México moderno e industrializado. O México do surgimento dessas obras é um país que acabou de atravessar por uma revolução sem paralelos na história mundial, uma revolução de camponês que gerou uma “democracia”. A arte mexicana sofre um renascimento que tem suas raízes na situação sócio-econômica e política do México pré revolução. Na revolução e após a ela, essa arte se consolida e ganha fama mundial.


A escolha pela pintura em grandes painéis não foi ao acaso, essa decisão representa um suporte necessário ao proposto político que esses quadros tinham. Os artistas buscavam levar a arte engajada para o povo, sair do público restrito costumeiro, é uma tentativa – frustrada segundo alguns críticos- de levar a arte para fora das academias, das galerias. Os murais em geral, em prédios públicos também representavam uma forma de despertar a consciência política no povo. Para isso, os temas das obras eram grandiosos, retratavam a história mexicana, as cenas de sofrimento e luta dos camponeses, dos operários. Com temas muito engajados, a arte corria o riscos de cair num “panfletarismo”, num empobrecimento da estética em prol dos fins políticos. Fato que não ocorre devido ao brilhantismo artísticos dos três. A arte política ainda mais feita num momento muito significativo da história mexicana, tem sempre um problema, a facilidade de cair no óbvio, na banalização. Acredito que a obra dos três representou uma reflexão a partir do momento que conseguiu unir uma mensagem política forte com uma beleza, sair do óbvio e não subestimar o público.


Os quadros do grupo não apresentam uma homogeneidade estética, elas são de uma grande abrangência de técnicas. Os traços mais redondos, suaves com fortes cores de Rivera contrastam com os traços mais marcantes de Orozco que usa mais cores terrosas. Siqueiro com seu forte trabalho da luz também se destaca dos três. A forte influência de Cézanne e do cubismo em Rivera é clara em seus quadros. A plasticidade alcançada por Rivera, o mais famosos dos três, foi alcançada através de um método um tanto inovador de pintura sob a argamassa molhada. Quero aqui avisar que isso são observações acerca de alguns dos murais não representando a totalidade da obra dos três.


Os três foram membros do Partido Comunista e criaram União de Trabalhadores técnicos, pintores e escultores na qual tinham suas idéias políticas divulgadas pelo jornal panfleto El Manchete órgão oficial do Partidão. O Siqueiro vai, inclusive, para a Espanha lutar contra os fascistas. Com a vitória de Franco volta ao México onde pinta seu mural famoso “Retrato Del Bourgeiosie”. Durante a segunda guerra, seus murais representam a luta contra o fascismo como “Muerte al invasor”, “um nuevo dia para la democracia” e “Fraternidad entre las razas negras y blancas”. Siqueiro foi preso, em 1959, por apoiar os lideres da União de Trabalhadores de Ferrocarril. Mesmo depois de solto, o artista continuou como partidário do marxismo mundial, sua produção artísticas foi estudada para ser orientada para um maior número de pessoas, para a percepção política nos espectadores ser despertada. Ele tem um estudo nos seus murais de dinamismo de planos e espaços para esse objetivo final. Rivera, líder político chefe da escola pictórica, teve uma fama tão grande que acabou sendo contratado por Nelson Rockfeller para pintar o mural do Rockfeller Center. A obra foi destruída pelo fato da situação paradoxal criada por Rivera que pinta no Centro do capitalismo mundial a cara de Lênin como um homem evoluído. Esse mural está atualmente reproduzido no Palácio de Belas Artes no México. Orozco tem na história mexicana o tema recorrente dos trabalhos. Quando em NY, aborda a questão da revolução mexicana, da desumanização e da mecanização da vida na metrópole. Em seus últimos anos se aproxima do expressionismo. A arte dos muralistas tem paralelos com a situação política mexicana e mundial.

É interessante notar que embora essas obras tinham como finalidade de despertar a consciência política no povo, ressaltar a identidade nacional, valorizando a arte pré-hispânica ela continuou sendo apreciada por poucos. A busca de apresenta-la em locais públicos, prédio e instituições governamentais, mostra uma certa relação cordial entre governo e críticos. As obras dos muralistas não alcançaram suas finalidades, mas inegavelmente forneceram ao mundo maravilhosas obras e tornaram a Cidade do México mais bela, além de divulgar a arte mexicana graças ao seu sucesso. Umas das criticas ao movimento foi de que o retrato dos camponeses, dos operários não correspondiam ao publico consumidor independente do povo ter despertado a consciência política desejada pelo três grandes, a partir dos murais mexicanos foi demonstrada que a arte engajada pode ser bonita, ser interessante e que os murais se tornaram um recorrente suporte para esse tipo de arte, como mostra os grafiteiros que têm forte correspondência com os muralistas.

Tuesday, November 15, 2005

Beckett e o Absurdo da Guerra Fria


VLADIMIR: You have a message from Mr. Godot.
BOY: Yes, sir.
VLADIMIR: He won’t come this evening.
BOY: No, sir.
VLADIMIR: But he’ll come tomorrow.
BOY: Yes, sir.
VLADIMIR: Without fail.
BOY: Yes, sir.


VANGUARDA: [3] parcela da intelligentsia que exerce ou procura exercer um papel pioneiro, desenvolvendo técnicas, idéias e conceitos novos, avançados, esp. nas artes; avant-garde.

Etimologiafr. avant-garde (sXII) 'vanguarda', inicialmente do vocabulário militar, do fr. avant



A Segunda Guerra Mundial fora o que fora. Milhões de cabeças fundidas, milhões de membros cortados, e aquela sensação de que o sentido da vida fora raptado por dois grandes e alvos cogumelos. Os homens que a ela sobreviveram e as gerações que a ela se seguiriam, refletindo tanto o caos quanto o vácuo, articulavam-se mecanicamente nos entremeios de suas vidas cotidianas. Preocupavam-se, quando muito, com o aumento do salário, com o escândalo da popularização do duas-peças, com o aparecimento tímido de um cantor rebelde do Mississipi. Ou, na porção mais vermelha do planeta, com a pressão política, com as metas produtivas, com a estruturação de um gigantesco regime tão comunista quanto camponês. A busca de um sentido para a vida parecia em suspenso, enfraquecendo a máxima de Aristóteles que tanto antes valera: o homem, sendo criatura com o desejo de conhecer, não pode suportar por muito tempo a ausência de significado.

Houve, todavia, quem não pudesse realmente suportar. Recuperando o Surrealismo e absorvendo boa parte da temática existencialista, autores como Eugène Ionesco, Edward Albee, Harold Pinter e Samuel Beckett buscaram transportar para os palcos a angústia por trás do ceticismo, a procura por trás do final anunciado, o drama por trás do automatismo. Tentaram expressar, por meio de roteiros, cenários, figurinos e argumentos absurdos – daí o nome de sua corrente, Teatro do Absurdo – que existia uma expectativa, nem mesmo que esta fosse a destruição dos valores (“Quem tem medo de Virginia Woolf?”) ou a animalização das relações humanas (“O rinoceronte”).

Com um trabalho que acabou sendo uma metáfora destes tempos, destacou-se nesta geração a persona artística de Samuel Beckett. O dramaturgo, posteriormente premiado com o Pulitzer, sintetizou em sua obra-prima, “Esperando Godot”, a essência do que a humanidade parecia viver. Em uma leitura particularista, podem-se tomar suas personagens principais, Vladimir e Estragon, como os pólos ideológicos opostos, o capitalismo e o comunismo. Simultaneamente opostos e complementares, ambos cortam-se em diálogos profundos, desafiadores, profeticamente encenando as tensões entre norte-americanos e soviéticos – ainda distantes de seu auge quando Godot estreiou, no ano de 1953. Estão os dois, em um campo deserto, próximos apenas de uma árvore, roupas simples no corpo, esperando por algo a que nomeiam Godot.


Talvez a observação seja teleológica e potencialmente direcionada - e eis dois argumentos que dependem da opinião de quem lê ou assiste Beckett –, porém o fato de os dois homens/pólos convergirem em uma coisa, em apenas uma coisa, e se doarem, ambos, à crença na chegada de Godot, parece sinalizar uma metáfora ainda mais profunda. Ora, Godot poderia ser, ao mesmo tempo, a razão para a ausência de significado e o carrasco final de qualquer significado. Godot poderia simbolizar, em ultimo aspecto, aquilo que a geração de Beckett e todas as seguintes, sob o correr da Guerra Fria, tanto esperavam quanto temiam: o enfrentamento nuclear entre as duas grandes potências.

Confirmando a crítica de Beckett por trás de sua aparentemente inocente peça, aparecem ainda dois coadjuvantes: Pozzo e Lucky. O segundo, subordinado ao primeiro, carregado a uma coleira, tem como única habilidade conhecida a dança. Pozzo, por sua vez, queixa-se a todo o tempo da perda de memória, da perda de saúde. Tomando-se ambos como sinais dos tempos, é possível ver tanto o ímpeto de descolonização quanto a resistência à descolonização (coleira), o etnocentrismo (não enxergar o outro além da dança) e a decadência européia (tanto cultural quanto imperial, exposta na morte gradual de Pozzo). Não à toa, eles aparecem cortando os momentos de tensão entre Vladimir e Estragon ou as reações deles a mais um alarme falso de Godot; exatamente como as questões relacionadas ao declínio dos Impérios estiveram em segundo plano a partir de 1945.

Ao final da peça, assim como ao final da Guerra Fria, não chega Godot e não chega o conflito direto. A espera continua, para Vladimir e para Estragon, para os EUA, para os outros países, para a humanidade. A peça de Beckett continua a ser encenada, 52 anos após a sua estréia. O sentido da vida não está claro, o sentido deixou de ser um cogumelo arrasador, o sentido não está no dia-a-dia – e pode estar no dia-a-dia –, o sentido está descoberto de sentido. Mas a busca permanece. Até a próxima vanguarda, até o próximo Absurdo.

Foi bonita a festa, pá

Angola, Cabo Verde, Guiné e Moçambique, estes países foram destino de milhares de jovens portugueses, os quais eram obrigados pelo governo a participar do exército e tinham como função manter dominadas as colônias africanas.

Com o passar dos anos e o aumento no número de mortes nos conflitos, parte do exército passa a discordar de suas atividades e durante a noite do dia 24 e abril de 1974 é formado o Movimento das Forças Armadas, liderado pelo capitão Salgueiro Maia. A madrugada é usada para o envio de alguns soldados portando armas antigas em tanques também não muito novos para Lisboa tendo como objetivo derrubar a ditadura Salazarista, então comandada pelo Primeiro Ministro Marcello Caetano, que a mais de quatro décadas assombrava o povo português.

Em Lisboa, o grupo de soldados encontra o apoio da maioria do exército e da população local, que além do fim do envio de tropas à África vai às ruas pedir a volta da democracia, trazendo junto com ela a liberdade de expressão, sexual e dos presos políticos. A felicidade popular pode ser facilmente observada no filme "Capitães de Abril", que mostra o desejo de todos em poder se aproximar dos militares entregando-lhes cravos, estes eram colocados na boca das armas, simbolizando o caráter pacífico da revolução que teve apenas 4 mortos.

O dia 25 de Abril com certeza é um dos maiores marcos da história portuguesa, porém o filme seria mais interessante, se além deste dia mostrasse um pouco da transformação estrutural do país nos meses que se seguiram, com a instauração de um governo de esquerda.

A insatisfação com do governo estava longe de ser uma característica exclusiva do povo português. No Brasil, o presidente e general Ernesto Geisel dava continuidade à ditadura militar, e certamente não receberia cravos ao passear pelas ruas. A música "Tanto Mar" de Chico Buarque, mostra que aqui ainda estávamos longe de uma revolução mas ainda havia o desejo de que mesmo com a repressão do Estado, a Revolução dos Cravos enviasse um pouco de esperança e motivação à população brasileira.

Friday, November 11, 2005

Contra-Cultura à brasileira


É possível perceber através dos últimos trabalhos , interessantes respostas dadas pelas sociedades à fatos que as incomodavam. Os anos 60/70 se destacaram pela violência dos estados na resolução de seus problemas mas também pela criatividade e inteligência daqueles que se opuseram a tanta força. Nesse sentido as guerras de contra a descolonização empreendidas pela Françaderam origem no campo social, ao contraponto articulado pela intelectualidade e pelos estudantes. foi o conhecido movimento de 1968 que tomou de assalto as ruas de Paris e levou jovens do mundo inteiro à reflexão, mesmo que por um minuto.
Nos E.U.A. a cultura encontrou sua válvula de escape em uma das instituições mais tradicionais da república, a liberdade de expressão que permitiu o crescimento do movimento hippie e de seus simbolos como Jimmi Hendrix. A sociedade borbulhava no país consumido pela guerra do Vietnã.
Não fosse pelo fechado regime político, talvez a URSStivesse testemunhado agitação semelhante.
Entretanto no Brasil a rigidez do regime não foi capaz de deter a produção cultural reflexiva que protestava. pelo contrário o estado a medida que se tornava autoritário gerava mais revolta e logo inspiração para os músicosda época. Se nos EUA pedia-se paz na política externa nossos conterrâneos queriam liberdade.
Nesse contexto nossa "contra-cultura"se enriqueceu com o fechamento do regime. O espetáculo Roda Viva foi fechado e em contra-partida tivemos Geraldo Vandré, o próprio Chico Buarque e os tropicalistas como exemplo daqueles que encheram as mesas dos departamentos de censura que por vezes foram incapazes de perceber a inteligência das críticas escritas nas entrelinhas. Caetano Veloso com seu cabelo e roupas incomuns desafia o estado e os valores da sociedade através de sua coragem de ser feio, diferente.
Diversas foram as formas de críticar a sociedade amendrontada e moralista bem como as de cuspir a cachça de graça que todos foram obrigados a engolir. Portanto de todos os males pelo menos um legado do qual nós podemos nos orgulhar. Afinal nossa "contra-cultura" está em niveis elevados de qualidade sendo ouvida e apreciada por todo o mundo até os dias de hoje. Que não se perca nem seja esquecida.

Thursday, November 10, 2005

"Vocês podem me acorrentar, torturar e até destruir meu corpo, mas nunca aprisionarão minha mente."


“Gandhi não foi um monarca de nações, nem tinha dons científicos...” (verso do DVD do filme)

O filme Gandhi, de 1982 , obteve um grande sucesso, ganhando 9 Oscars, após vinte anos levados para produzi-lo. Um filme biográfico do “homem do século XX” poderia tender a mostrar muito heroísmo, uma Índia livre romanceada e talvez ingleses bondosos após a Segunda Guerra Mundial. No começo do filme, já é dito que a História seria retratada da forma mais fiel possível, porém que ele tentaria tocar o coração das pessoas. E ,de fato, isso não foi difícil. O filme é longo, assim como a quantidade de tempo que ele relata. Entretanto, ele surpreende, e retrata uma situação inédita, paradoxal e diferente, conseguindo assim prender a atenção, mostrar fatos históricos e transmitir boa parte do que significou esse grande personagem da história mundial.

Formado em advocacia em Londres, esse pequeno homem de terno e gravata chega à África do Sul(em 1891) e ,ao se deparar com o apartheid, desperta sua consciência social e começa a mobilizar as minorias excluídas nessa batalha. Entretanto, seus meios de luta eram diferentes: seriam usados métodos pacíficos, como a queima dos passes. Inspirado pela “Desobediência civil” de Thoureau*, e outros livros que lia na prisão, e provocando cada vez mais o governo, Gandhi consegue concessões significativas às minorias da África do Sul, volta então à Índia(1915).

Chegando, já saudado por muitos, não se engaja na luta pela independência: ele resolve conhecer seu país, percorrendo-o por um longe tempo e observando a pobreza de perto. Interessa-se pela vida agrícola simples que levavam a maioria dos indianos, começa a usar roupas de algodão e prega a liberdade em relação a Inglaterra. Logo, ficou clara a força que aquele homem tinha para mobilizar as massas. Entretanto, nem todos concordavam com os métodos pacíficos, e a Índia, rumo à independência, foi palco de terrorismo, conflitos étnicos que começavam a surgir entre muçulmanos e hindus e massacres como o de Amristar que matou 15 mil civis indianos desarmados, entre eles homens e mulheres. Isso tudo entristecia Gandhi que utilizou o jejum e conseguiu mobilizar a Índia com a caminhada e retirada do sal do oceano, provando que todos poderiam ter sal, e os indianos poderiam fazer seu próprio sal do mar Índico. Além disso, foram queimados tecidos ingleses.

Pacifismo idealista ou Racionalismo? A tática de “dar a outra face”, o princípio da ação não violenta, era sim uma forma de luta e muito provocativa, como enfatizava Gandhi, ela transformava os indianos em vítimas e a metrópole em vilã, isso surtiu repercussão por toda a imprensa mundial. Portanto, a Inglaterra, terminada a Segunda Guerra Mundial, teria de ceder.

E foi o que aconteceu. É necessário ressaltar que Gandhi era contra a discriminação, sendo, pois, contra o sistema de castas na Índia, a “escravidão” das mulheres, e os conflitos étnicos entre hindus e muçulmanos na Índia. Por isso, quando começaram as negociações para a Independência ele não concordou com a tentativa de separar as duas etnias, mas apesar disso não pode impedir a criação do Paquistão para os muçulmanos.

O filme poderia ter acabado, quem sabe, com a cena do hasteamento da bandeira da índia independente(1947) e algum sorriso de Gandhi, mas resolveram relatar a História por completo e o que veio (já na noite da própria independência) foi o banho de sangue no conflito de indianos hindus e muçulmanos.Depois começaram os deslocamentos da população para as novas nações, seguidos por mais violência, e um Gandhi cabisbaixo, crendo na sua derrota e, novamente em jejum.

Esse homem conseguiu conter os conflitos por um tempo, a “loucura” do banho de sangue esteve fora das mentes dos indianos, entretanto, isso não impediu que ele fosse assassinado brutalmente por um hindu enfurecido pelas concessões que ele havia dado aos muçulmanos, como a criação de um país só deles. Sua morte(1948) causou comoção mundial, e contribuiu para adoração do “Bapu” (pai) na Índia, como um verdadeiro Deus.

Apesar do sucesso de Gandhi, não podemos ignorar que a política do “give to keep” (que inseriu dos dois novos países na commonwealth britânica) favoreceu a independência da Índia.

Mahatma (grande espírito) cria na eficiência de seu método de não violência contra Hitler e Mussolini. Mas seriam as mentes desses homens e a humanidade capazes de enxergar a “loucura” do banho de sangue da Segunda Guerra Mundial? Estariam eles cientes de que o bem sempre prevalece no final? Duvido.

“o olho por olho deixará todo mundo cego”
Gandhi.

*no blog dos calouros (http://fsim52.blogspot.com) há uma carta interessante feita pela Maria Júlia de Thoureau para Gandhi, sugiro que vocês leiam.


Fontes:

http://geocities.yahoo.com.br/gandhithatis/principal.html

http://www.gandhi.hpgvip.ig.com.br (para quem quiser saber mais, esse site é bom).

Todos são inimigos até que se prove o contrário

Emenda 5: “ (...)ninguém poderá (...) ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade ou bens, sem processo legal”.

A criação de uma comissão de atividades anti-americana em pleno Senado dos EUA pode ser vista como uma demonstração das conseqüências de uma guerra considerada por muitos mais ideológica e psicológica que real. Porém, a própria noção de anti americanismo é subjetiva e, muitas vezes, contraditória. A censura estabelecida era baseada na idéia de que comunistas dos EUA buscavam acabar com o American way of live, destruir valores fundamentais da Sociedade. É um tanto irônico e triste que a forma encontrada para destruir essa ameaça aconteça de uma maneira arbitrária e com o cerceamento das liberdades civis bases do American way of live. A tentativa de se acabar com o comunismo, transformando-o num inimigo interno uma vez que o inimigo externo – URSS- era forte demais para se derrotar. De qualquer forma, a verdade é que a comissão instalou na sociedade americana uma paranóia, uma perseguição que se seguiu aos intelectuais, artistas e outros.
O nascimento da HUAC- House Committee for the Investigation of Um-American Activities- em 1938 demonstra que o sentimento de uma ameaça interna era antigo. Embora durante a Segunda Guerra, com a aliança entre EUA e URSS suas atividades ficaram afetadas. Com o fim da guerra, ela volta a ter um papel mais ativo. No entanto, a mesma comissão pode ser entendida como parte de uma estratégia republicana para recuperar o poder - os democratas estavam no poder desde 1932. A própria rivalidade do Congresso, republicano, com o presidente acarretou em complicações até mesmo para Roosevelt. O próprio presidente é acusado de encorajar filmes pró soviéticos.

As ações da HUAC contra Hollywood se tornavam mais fortes. A pressão por delações levou a uma completa histeria na industria do cinema. O surgimento das listas negras apavoram a todos. Ao ser indicados, diferentemente de um Estado de Direito, o suspeito é que tinha que provar sua inocência. A participação em reuniões ou, muitas vezes a amizade de pessoas mais ligadas à atividade política, não necessariamente, comunistas colocavam a pessoa numa situação de culpado. Para conseguir sair dessa situação, era obrigada a dedurar alguém, mesmo que nos houvesse ninguém para ser dedurado. Muitos apelavam indicando nomes que já estavam na lista negras ou indicando mortos. Porém, com o indiciamento de uma outra pessoa, o suspeito inicial passava a ser visto como um informante, um “paria”. O fato que ser indiciado, de estar nas listas negras significava, muitas vezes, o fim da carreira, ou pelo menos a sua decadência. Alguns tiveram sorte, como a atriz Nancy Davis, futura primeira dama dos EUA, que teve seu nome da lista negra por engano e o teve retirado pelo seu futuro marido, Ronald Reagan, presidente da Screen Actor Guide, um colaborador da Comissão.
No entanto, boa parte dos suspeitos apelavam para a 5 Emenda, a qual dizia que ninguém pode ser testemunha contra si mesmo. Esse recurso, porém, não podia ser utilizado após o início do interrogatório. E caso o suspeito a usasse depois do início do interrogatório para não responder alguma pergunta era acusado de perjúrio e preso. Esse recurso era o último resquício de um país liberal que tinha, na Constituição, as liberdades civis asseguradas.

O impacto desse processo foi imenso nas artes. O medo tomou conta, principalmente, do cinema. Um dos fatos mais marcantes é o grupo de dos 10, constituídos por membros da industria cinematográficas que se recusaram a colaborar com a comissão e após apelações ficaram presos por até um ano, além de serem suspensos pelo estúdio. As acusações da HUAC se baseavam em interpretações dúbias de atitudes dos artistas, por conseguinte, o trabalho era analisada buscando-se qualquer ação que se possa assegurar o anti patriotismo desses artista. Ou seja, a busca por uma confirmação da ideologia comunista dos suspeitos fez com que os censores vissem em filmes relativamente bobos grandes conspirações anti americanas. Por conta das perseguições muitos artistas optaram pelo exílio como Orson Welles, Chaplin e outros.

Independente do que tenha gerado essa paranóica e descabida comissão, o fato que um Estado de Direito permitiu que as liberdades civis, base da sua Constituição, fossem ameaçadas demonstra a fraqueza da considerada mais forte das democracias. Porém, a comissão pode ser vista como parte de um jogo política na qual busca associar os democratas como fracos em relação à luta contra o comunismo e, assim, possibilitar a volta dos republicanos- o que de fato ocorreu. A admissão de culpa exigida pela HUAC coloca em risco os direitos civis, além de possibilitar ao poder legislativo o poder de julgar e praticamente condenar ao ostracismo os artistas das listas negras. O macartismo só irá perder força com a eleição de Eisenhower e a tentativa de McCarthy, cada vez mais paranóico, de investigar o exército. A perda que toda a sociedade americana teve por conta uma ação política, autoritária foi imensa, a migração de intelectuais, artistas foi grande. A necessidade que se criou de garantir a lealdade dos cidadãos aos EUA através de testes, a imposição de padrões para seus artistas se assemelhada ao totalitarismo[1].
[1] In Whitfield, Stephen in Culture of the Cold War

Tuesday, November 08, 2005

The Flower Power - Woodstock, 69

A morte do presidente Kennedy, em 1963, alardeou a nação mais poderosa do mundo, principalmente seus adversários políticos, sendo transformado em um mito: “o mártir da liberdade”.Contudo, esse havia deixado muitas questões pendentes para o seu vice, Johnson. O envolvimento no Vietnã foi, sem sombra de dúvidas, o pior martírio do novo presidente.

Em 1964, os EUA já estavam totalmente imersos na Guerra que só terminaria oitos anos depois. A vida de milhões de jovens e uma soma astronômica foram os custos desse conflito, que despertou os cidadãos do “american dream” para os horrores da Indochina. A opinião pública encontrava-se dividida entre os mais radicais, que viam a solução nas “modestas” bombas atômicas, e os pacifistas que defendiam a reunificação do Vietnã sob a liderança de Ho Chi Minh.

O movimento de contestação causou uma divisão interna. Desde um campeão de boxe rasgando sua convocação militar até Martin Luther King e sua “marcha pela paz”. Os conflitos raciais, paralelamente, faziam parte desses “verões quentes”: estudantes universitários, negros de todo o país e Luther King foram mortos em meio a esse turbilhão. Enquanto isso, a escalada da guerra estava aumentando frente aos olhos dos telespectadores.

Nesse contexto, surgiu um movimento contra as atrocidades cometidas no Vietnã, contra a alienação da classe média americana, a sociedade massificada e a solidão do indivíduo na metrópole; eram os hippies. Esses jovens pregadores do sex, drugs & Rock n´Roll; mas antes de tudo, contestadores do sistema vigente, mostraram ao mundo sua cultura flower power durante o Woodstock, agosto de 69, um mês depois de Armstrong pisar na Lua.

A “Primeira Exposição Aquariana”, chamada oficialmente de Feira de Artes e Música de Woodstock, reuniu grandes nomes como Jimi Hendrix, The Who, Santana, Joe Cocker e Janis Joplin em uma fazenda nos arredores de Nova Iorque. Representou a consagração da filosofia hippie, pregadores da liberdade, solidariedade, paz e amor. A comunidade invadiu o evento, aos milhares, sem pagar ingresso; chocando aos mais conservadores durante três dias. Cerca de 450 mil pessoas conviveram pacificamente: rolaram pelo gramado, andaram nus, dançaram, cantaram, usaram drogas; mobilizando boa parte da mídia mundial, que noticiou três mortes e três nascimentos. O mundo pôde atestar a amplitude do movimento que tomava conta dos EUA com sua filosofia pacifista.

Um dos momentos mais emocionantes do festival foi quando, no dia 18 de agosto, sob um belo sol alaranjado, Jimi Hendrix subiu ao palco com uma versão do hino nacional dos EUA, "The Star Spangled Banner", tirando de sua guitarra sons que representavam explosões de bombas, granadas, rajadas de metralhadoras e roncos de helicópteros, fazendo menção clara à Guerra do Vietnã.

Após o estrondoso evento de 69, os “hippies” de outros tempos, tentaram outros festivais. Em 1994 um festival foi realizado em Saugerties, NY; e cinco anos mais tarde, outro em Bethel, NY. Mas falta aos filhos dessa geração a atmosfera da Era de Aquário, apesar da presença de situações contestáveis como, o que muitos autores denominam, para além das controvérsias, de o “Vietnã II”...

Abaixo, a parte mais interessante do Post: =)

Power To Love (Jimi Hendrix- Isle of Wight´70):

Shoot down some of those airplanes you've been driving,
especially the ones that fly too low.
Shoot down some of those airplanes you've been driving,
especially the ones that fly you too low.
Come on back to earth, my friend,
come on back'up with me.
We all been thru the nite time, babe.
Now let's reap the waves of reality.
With the power of soul anything is possible.
With the power of soul anything is possible.
Playing too much with one toy tends to lead
into the foggy.
It's so groovy to float around, sometimes even
a jellyfish will agree to that.
I said flotation is groovy and easy,
even a jellyfish will agree to that.
Yeah, but old jelly's been floatin' so long
and so slack, lord, ain't no kinda bone in his jelly back.
Floatin' ev'ry day and ev'ry night is a risk, sometimes
the wind ain't right!

Thursday, November 03, 2005

O Grande Chaplin

O filme "O Grande Ditador" começa nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial onde um barbeiro judeu (Chaplin) que tinha se tornado soldado da Toumania (Alemanha) salva um alto oficial da aeronáutica, o Comandante Schultz.
Após a guerra, há uma breve referência a eventos que marcaram os anos seguintes: a Grande Depressão, as revoltas populares, e finalmente, a ascenção de Hynkel (Hitler) acompanhada pela supressão das liberdades civis. Em seu discurso, Hynkel critica a democracia, a liberdade de opinião e torna-se extremamente agressivo quando se refere aos judeus.
É retratado então a vida dos guetos onde os judeus sofriam as mais diversas humilhações provocadas pelas tropas de Hynkel. Um belo dia, o Cº Schultz é pego no gueto tentando articular um complô contra o governo com o seu amigo barbeiro e seus outros vizinhos judeus. Ambos são então enviados para um campo de concentração.
Enquanto isso, Hynkel planeja invadir Osterlich (Áustria), no entanto o ditador da Bactéria (Itália), Napaloni (Mussolini), envia 60 mil homens do seu exército para a fronteira - fato histórico que realmente aconteceu antes do Anschluss. Hynkel convida então Napaloni para Toumania com o propósito de resolver o impasse. No encontro, os dois são completamente ridicularizados, principalmente quando estão a sós com seus ministros discutindo o acordo, momento no qual mais se parecem com duas crianças baderneiras e mimadas.
Já o barbeiro, ao fugir do campo de concentração com Schultz, ambos disfarçados de oficiais, é confundido por outros soldados com Hynkel que também estava perto da fronteira de Osterlich pronto para a invasão.
O barbeiro é portanto conduzido a fazer um discurso que deveria marcar o início da expansão da Toumania. Nessa cena, clímax do filme, o barbeiro fala se dirigindo a todos os seres humanos, independente de raça ou religião. Chaplin diz então através do seu personagem que "a ambição envenenou a alma do Homem" e nos chama a atenção para os impactos das máquinas na vida humana. Segundo o ator, "pensamos demais e sentimos de menos" e ele propõe: "ao invés do ódio, amor e felicidade", "mais do que máquinas precisamos de humanidade, mais do que inteligência precisamos de bondade e compreensão"; e por isso, mesmo se inventamos o rádio e o avião, para realmente nos aproximarmos uns dos outros, precisamos da fraternidade. O discurso de Chaplin aproxima-se inclusive do texto "Fascismos" de Teixeira da Silva, quando o ator nos diz: "não odeiem, só quem não é amado tem a capacidade de odiar". De forma ousada, ele afirma ainda que "homens-máquinas com máquinas no cérebro e no coração, todos os ditadores morrerão" e finalmente, em nome da democracia, Chaplin conclama o poder do povo para lutar por um mundo de liberdade e felicidade universais.
Na última cena, Hannah, namorada do barbeiro que havia se refugiado em Osterlich, ouve os ecos desse "novo mundo" de um futuro glorioso.
Essa obra-prima de Chaplin impressiona. Sobretudo, pela capacidade genial com a qual o ator consegue provocar, além dos risos do público, uma denúncia, um afrontamento, um desafio aos governos do Eixo e seus dirigentes. Estes últimos são ridicularizados numa sátira carregada de sutilezas, como por exemplo o pseudonome da Itáila - Bactéria - que revela o caráter oportunista da diplomacia italiana, ou ainda, a enorme semelhança entre o barbeiro judeu e Hynkel. O filme é também permeado por referências a fatos históricos, como por exemplo a mobilização instrumental das massas. No final, Chaplin é contumaz ao defender a primazia da razão sobre o militarismo, fazendo corajosamente um discurso universalista em pleno ano de 1940, momento de vitórias do Eixo...